Eu desligava o interruptor, mas a lâmpada do quarto continuava piscando irritantemente a cada sete segundos e ainda não tínhamos discutimos por isso. Com certeza ela ainda não teria percebido isso e a maior prova era ainda contar com ela do outro lado da cama todas as noites. Dentre tantos outros problemas que havíamos tido nos tempos anteriores, o de ter um homem que não serve nem para trocar uma lâmpada certamente seria a gota d’água.
Ela conseguia dormir com a luz acesa. Eu não. Não aprendi a dormir sem ler uma dúzia de páginas de algum livro qualquer. Mas ambos não dormíamos sem brigar. Afinal de contas, era necessário enfrentar a velha rotina desgastante na manhã seguinte.
Ela conseguia se levantar às oito da manhã e lembrar do último motivo pelo qual brigamos. Ela fazia questão de usá-lo aleatoriamente alguns dias depois, aproveitando-se da minha falta de memória.
Eu tentava, mas não conseguia lembrar de trocar lâmpadas durante o dia. Durante o dia as lâmpadas não piscavam a cada sete segundos para me lembrar dos meus problemas conjugais. Durante o dia, no trabalho, eu tentava lembrar das coisas que aprendi na faculdade. Ainda me surpreendo ao perceber o quanto tempo perdi naqueles anos. Faculdade, aquele lugar maldito onde não se aprende a trocar lâmpadas ou sobre a vida com uma mulher de verdade.
No trabalho eu ganhava um bom dinheiro, é verdade. Muito mais do que eu merecia. Não contribuía de maneira alguma para um mundo melhor, nem para meu próprio mundo. Não tinha lá grandes responsabilidades. Além disso, tinha uma mulher linda. Muito mais do que eu merecia. Ela sabia arranhar costas masculinas com um carinho e uma dedicação como uma mulher que vê um romântico dentro de qualquer homem. Não tinha a vida que havia planejado, mas com certeza era muito mais do que eu merecia.
Todos os dias, eu era obrigado a olhar para os vizinhos do prédio e para os caras do trabalho. Podia sentir a inveja nos olhos de cada um e na ironia de cada cumprimento falso que recebia. Também era obrigado a conviver sabendo que todos eles tinham razão. Qualquer homem trocaria uma maldita lâmpada para se manter qualquer segundo a mais do lado daquela mulher.
Um dia, de manhã, por algum milagre qualquer, lembrei de trocar a lâmpada. Lembrei dos bastardos do trabalho, dos vizinhos invejosos, dos calores dela e dos motivos de discussão da semana anterior. Saí do trabalho sem dar nenhuma satisfação e fui logo comprar a lâmpada. Queria fazer uma surpresa pra ela, e é claro, uma surpresa pra mim. Talvez eu realmente merecesse aquele trabalho, aquela mulher, aquela inveja sobre mim... E tudo poderia ser perfeito se eu não tivesse aquela luz me perturbando todas as noites, a cada sete segundos.
Ao chegar em casa, percebi o quanto demorei para agir. Já existia outro homem fazendo o meu papel. Era o encanador, segundo ela. Só estava lá para concertar a pia. E eu, ali, acabei esquecendo mais uma vez de trocar a lâmpada.
Quem troca renova, quem troca magoa, quem troca perde, que não troca não petisca, nem todo mundo arrisca...
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