segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Paixão

Ela tem dezessete anos. Ela não precisa pensar no futuro quando o despertador toca de manhã, chamando-a para mais um dia comum. Ela sabe que eu adoraria pensar no futuro por ela enquanto assiste a aula e se deixa em modo de standby. Depois da escola, ela se dá ao luxo de ir para casa e procurar por uma surpresa na TV. Não encontra nada e acaba deixando no desenho animado. Então senta no sofá por uns quinze minutos. Ri uma vez a cada bloco: timidamente, movendo quase nada e rapidamente, como se esperasse outra risada para completar a sua. Durante os comerciais ela também solta uma risada, enquanto lembra de mim. Essa então é a primeira vez que eu apareço em suas lembranças. Lembra do quanto me acha fofo. Enquanto isso, já estou na sexta, ou sétima vez com ela no pensamento. Rio também, por lembrar do quanto escondi dela meu gosto por desenhos animados. Rio por cair em mim e perceber a pequenez das minhas antigas preocupações. Renasce em mim, então, todos os dias a esse horário, a primeira pequena dose diária de esperança. Minha primeira esperança é efêmera, assim como todas as outras. Não dura mais do que três blocos de um desenho animado. Talvez por isso eu tenha pensado e me conformado tantas vezes em tê-la apenas por alguns momentos. Nem que seja por alguns pequenos momentos, durante o comercial de um desenho.

Após os desenhos, os momentos passam. Após a décima quarta ou décima quinta vez que ela me vem ao pensamento, resolvo ligar. Me faço de corajoso ao olhar para aquela antiga foto que ela nem imagina que eu ainda tenho guardada. Disco seu número, um dos únicos três telefones do mundo que sei de cor, e espero cerca de cinco toques. Ela então, finalmente escuta o celular, e lembra de mim pela segunda vez no dia. Suspiro ao ouvir seu “olá”. Ela ainda demonstra paciência comigo. Ela ainda atende minhas ligações. Ela ainda tem dezessete anos.

Tento fingir qualquer coisa ao falar de mim. Tento não falar o quanto minha vida é sem graça sem ela. Acabo engasgando na minha falta de prática com mentiras. Disfarço e pergunto logo sobre ela. Então ela me conta todo o seu dia, dos caras do colégio e o quanto nossa amizade é importante pra ela. Infelizmente, acabo lembrando do nosso desenho animado no meio da conversa e o quanto ele seria mais engraçado se assistíssemos juntos. Nasce então minha segunda pequena esperancinha diária. Mas minha esperança passa só de passagem, e com ela, passam seus dezessete anos, os carinhas do colégio e até a nossa amizade. Mas a paixão, a teimosa paixão, sobrevive para contar histórias. E para fazê-las.

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