Eu, que vou vivendo sem ser muito de querer, sem ser muito de
ganhar, queria ganhar a vida dizendo o quanto você é linda.
Se fosse artista pintaria uma tela, uma obra prima daquelas
tapa na alma, à frente de nosso tempo. De nosso tempo que ficou pra trás e que
tento trazer de volta em cada tom da aquarela cotidiana das ruas. Uma tela cúmplice dessas admirações súbitas
que sinto ao te olhar, que me prende o juízo e escassa o ar dos meus pulmões.
Uma tela que ficasse pendurada lá no Louvre ou na casa da minha vó Lourdes
retratando meus sentidos exagerados de moço. Ou se eu pintasse igrejas! Igrejas
todas só para te consagrar. Daí então os anjinhos ao pé da cruz teriam sua
doçura e as santas seriam concebidas mais cheias de graça porque olhariam com a
sede de seu brilho. Explicaria o sagrado: haveria lucidez na beleza. Valei-me
Deus!
Se fosse um químico, inventaria uma droga bem forte e
alucinógena que desse o seu barato. Intravenosa, indolor e viciante. Daquelas
que dilatam os olhos da alma. Minha refinaria seria você. Você onde meu coração
é doce e meus sonhos são verdes. Quanto agito, meu Deus! Quanta experiência
nova você me traz! Me vê mais uma dose? Eu bolaria um plano infalível de
tráfico internacional. Bem interno pra externo mesmo, algo que pudesse te
transportar daqui de dentro lá pra fora, sem falhas. Sem te ter e sem te perder.
Sem crimes, sem vícios, sem prisões.
Se passasse num concurso público, fosse parente de algum
político, arranjasse uma bocada das boas, seria um burocrático com prazer.
Trabalharia de segunda a sexta, de nove às cinco, só na marotagem. Ia mandar
fazer um carimbo bem grande que dissesse o quanto você é linda. Um carimbo só
não, um monte! De um monte de cor diferente, sempre tentando dizer de um monte
de maneiras o quanto você é linda, carimbando toda a papelada da cidade. Toda
cobrança, todo recibo, todo mandato de prisão, todo cartão de natal de
vereador, tudo, tudo. Tudo com um carimbo bem grande oficializando sua lindeza
pro mundo todo ficar sabendo.
Se você, princesinha, fosse uma rainha, eu seria seu bobo da
corte. Um bem bobo, não desses de fazer piadas, dar cambalhotas e Deus me livre
ter que me vestir de palhaço! Um bobo atônito, com olhar perdidinho de
contemplação, em perceptível estado de graça. Igual eu fiquei quando te
conheci, lembra? Um bobo ali sempre pronto em qualquer lugar de seu reino,
sempre pronto pra te bendizer a qualquer hora. Pronto pra dizer pra você o
quanto você é linda. Pronto pra dizer em seus momentos reais de alegria, tédio,
paixão, desilusão ou de humanidade qualquer. Discursaria para todos os súditos
do mundo, ou se quisesse, apenas para você, regente de seu reino intimista.
Você é linda! Você é linda! –Diria seu bobo particular, sem bobeiras de
primeira viagem. Que doidera, né?
Mas se eu fosse um doido, doido mesmo, desses que todo bairro
tem, gritaria seu nome dia e noite pra acordar todo mundo. Pra todo mundo ficar
de acordo comigo, com a mensagem que levaria aos quatro ventos da poesia tacando
pedras em aviões. Tomaria banho no chafariz da praça proclamando que vi a luz.
É, é, eu vi a luz! A luz do discernimento, não a luz desses postes que andaria
chutando de madrugada tentando apagar. Gritaria que vi a verdade e seguiria
mais tranquilo na vida, com as certezas mais comuns dos homens comuns, a
certeza de não saber até onde vamos, mas que temos por onde começar.
Se fosse um escritor... ah se fosse um escritor! Um daqueles
bem grandes, com sobrenome e tudo. Te transformaria em versos, numa musa
daquelas viajantes das páginas que atravessam séculos e séculos. Te batizaria Laura,
Beatriz ou qualquer nome em italiano clássico. Mas a verdade é que prefiro o
seu nome. Deixamos os cânones pra lá. Deixamos as concepções antigas pra lá.
Seremos nosso próprio movimento. Não quero que me entendam em italiano. Quero
me sintam nessa língua universal, nessa língua sem palavras que todos
carregamos conosco.
Sentiu?
Ah, lindinha. Se eu fosse escritor juro que perderia essa
noite de hoje só imaginando a métrica desse seu sorriso que me dá a certeza de
que posso ser o que eu quiser.