"Desgraçado, filho da puta!"
Essas foram as últimas palavras que ouvi daquele cara. Foram as últimas palavras que ouvi antes de levar aquele murro um tanto que cinematográfico. Logo eu, que nunca havia apanhado nem de meu próprio pai, mas que provavelmente arrebentaria a cara dele se o visse outra vez. Meu adversário, porém, também não demonstrava tanta intimidade com agressões, embora a motivação possa ter dado a ele uma força incomum. Em um gesto que parecia uma estranha mistura de improvisação e predeterminação, ele conseguiu me acertar em cheio. Ainda no ímpeto de ter me acertado, ele pareceu ter se empolgado e esboçou reações de quem continuaria com o serviço. Mas ao perceber o sangue escorrendo por meu nariz, parece ter se contido para se dar ao luxo de pensar um pouco mais antes de continuar. Ele não sabia bater, mas havia conseguido. Ele não queria matar, mas também poderia ter conseguido, então achou melhor parar.
Naquele bar em que estávamos ninguém parecia ter se importado muito com a cena tão incomum para mim. Após ter levado minha mão ao meu nariz e ter percebido minha pequena e primeira hemorragia, olhava para todos bêbados e perdedores daquela bodega que não esboçavam nenhuma reação. Aquela cena parecia ser bem familiar e pouco importante para eles.
Ainda tentando achar conforto com uma simples reciprocidade de olhar, encontro o dono do bar. Ele havia saído do balcão que ficava nos fundos do bar há alguns minutos antes para me servir uma cerveja. Mas ele estava parado atrás daquele balcão de meia altura e fazia questão de esconder o que tinha em mãos. Esse sim provou estar bem acustumado com esses acontecimentos e agia de um modo que parecia muito bem ensaiado. Pra minha sorte, meu agressor estava tão assustado e confuso quanto eu, e também havia percebido a atitude do dono do bar. Bufando palavras que não consegui entender, mas que se situavam entre o medo e a realização, o inimigo caminhou até o balcão, onde deixou uma nota de cinco reais para pagar o maço de cigarros que havia comprado. "Fique com o troco", ele disse. Mas o dono do bar não esboçou nenhuma resposta, dando a entender que não voltaria o troco de nenhuma maneira.
Finalmente suspiro mais tranquilamente ao vê-lo sair por aquela porta. Não tinha nenhuma certeza de que não voltaria a apanhar, mas ao perceber a mesma insegurança minha no meu adversário, comecei a pensar que também poderia batê-lo caso isso voltasse a acontecer.
Levantei-me depois daqueles longos minutos que havia ficado ali, caído no chão como o cara mais covarde do mundo. Ergo a cabeça a fim de tentar, em vão, parar o sangue que continuava a escorrer. Aquilo havia me dado um certo ar de arrogância que não condizia com meu nariz deslocado. Aí então pude constatar que os bêbados perdedores que ali estavam, também sabiam falar português.
"Ce deu foi sorte, seu verme. Se cruzasse no meu caminho ia ser bem pior". Ainda aproveitando a minha "maré de sorte", continuei caminhando em linha reta e fazendo questão de não cruzar o caminho de ninguém. Enquanto isso, enfiei a mão no bolso para tirar uma nota de dez reais que acabou se sujando com minhas mãos ensanguentadas.
"Pelas cervejas", eu disse ao dono do bar imóvel atrás do balcão. Ao contrário do meu esmurrador, fiquei ali parado do outro lado do balcão esperando meu troco. Vejo então o homem pegar a mesma nota de cinco reais que havia recebido minutos antes. "Pensando bem, acho melhor que você fique com o troco. E me desculpe pelo incômodo. Desculpe mesmo."
"Nunca mais volte aqui, desgraçado", respondeu o dono do bar guardando no bolso mais uma vez aquela nota de cinco reais.
Depois de uma noite tão agitada, resolvi ligar para Fernanda. Além de ser enfermeira, ela era a única que estaria acordada naquele horário e teria disposição para tratar do meu ferimento.
"Amor, ainda bem que você ligou. Meu marido descobriu tudo, estamos perdidos. Ele saiu daqui muito nervoso, com uma arma carregada e falou que só volta depois que te dar o troco".
Como eu tive uma noite de sorte, pensei.
Parabéns, você tá escrevendo muito bem, gostei do texto
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