Hoje, eu, numa dessas idas normais ao supermercado comprei produtos normais. Perambulei pelos corredores que tanto conhecia correndo os olhos em cada aviso de promoção para desencarno de consciência. Sem fugir muito da rotina, peguei os mesmos produtos de sempre e após colocá-los no carrinho, entrei num daqueles caixas normais. Não num daqueles para poucos volumes ou num daqueles que só aceitam pagamento a dinheiro. Não que eu estivesse fazendo uma compra grande, ou que fosse pagar com cartão corporativo, de crédito, ticket ou outras porcarias. Mas era melhor deixar tudo agir normalmente para evitar o incoveniente.
Hoje eu acordei tarde, como todos os dias normais. Olhei para o relógio e percebi que já não era hora de uma pessoa normal acordar. Nem me importei.
Caminhei até a cozinha com os olhos ainda meio fechados, como de costume. E em uma ação quase simultânea, meus olhos se abriram junto com a porta
da geladeira que puxei com força. O impacto de não encontrar nada comível na geladeira é algo que ainda costuma me acordar de verdade nessas
manhãs-mais-pra-tardes. Após cair na realidade, havia chegado a hora de decidir se tomaria um café ou almoçaria de uma vez. Não faria diferença.
Não poderia perder meu precioso tempo com dúvidas bestas. Era melhor ir pensando nisso enquanto procurasse meu molho de chaves, que normalmente ficava
ao lado de minha cama, no criado mudo, mas não sei por qual raio de motivo ele não estava lá.
-Onde está essa merda? Debaixo da cama.. Café, almoço... Não, aqui também não está.
Na cômoda? Café, almoço, guarda-roupas, almoço, Café... Quem sabe do lado do computador...
Almoço? Café? Café e almoço? Nenhum dos dois? Ah! Achei minhas chaves, que bom.
Pronto, hora de sair pra caçar. "Café ou almoço, estejam prontos ou não, aí vou eu!", imaginei alto recriando uma frase de um desses filmes normais
que havia assitido dias antes. Confesso que no caminho até pensei em entrar numa padaria só porque era mais próxima a minha casa e provavelmente
estaria sem filas. Mas não, se fizesse isso estaria claramente escolhendo o café. Não há opções para o almoço nessas padarias normais. Seria muita covardia contra o almoço, que tantas vezes me foi útil.
Era melhor ir direto ao meu ponto final, o supermercado, sem nenhuma parada. Mas fui obrigado a parar metros depois da padaria, por uma amiga de um amigo,
daquelas lindas, chatas e incovenientes.
-Ei garoto! Tá cego? Tô te comprimentando aqui faz um tempão e parece que nem tá me vendo!
Na verdade havia visto sim, mas apenas as suas partes técnicas, pensei comigo.
-Ah, também né... Aposto que tá acordando agora, dá pra ver as remelas do seu olho de longe! Mas não esquenta, eu também tô morrendo de sono, ainda nem
dormi! Acabei de chegar de uma festa muuuuuito boa. Na casa do Pedro... por que você não foi?
Parei por mais alguns segundos, pra desespero do supermercado que me esperava. Tentava lembrar por qual motivo não havia ido na festa, se havia sido
covidado pra tal festa ou até mesmo se conhecia esse Pedro. E a garota, é claro, havia perdido toda sua espontaneidade e simpatia após minha pausa
incoveniente. E para completar, um estrondoso barulho havia saído de minha barriga indicando que era melhor eu decidir rápido entre o café e o almoço.
-Bom, eu acho melhor você ir tomar um café. Preciso ir trabalhar agora, beijo!
Quanta audácia dessa garota. Mal me conhecia e ainda se achou no direito de definir se devo tomar café ou almoçar. Até pensei em virar e xingá-la,
mas ao virar acabei me distraindo com suas curvas e esquecendo o que iria falar. E aquilo tudo havia aumentado ainda mais a minha fome e minha dúvida.
Apesar de tudo, no fundo eu não me preocupava, pois tinha certeza que a dúvida se acabaria assim que chegasse ao supermercado. Lá havia tantas opções para café e almoço que a imparcialidade estaria mais do que garantida. Mas a sugestão de "tomar café" feita por aquela imbecil parecia realmente interferir na minha escolha.
Finalmente opto pelo café. Não havia motivo específico pra tomar tal decisão. Talvez um único possível motivo é que havia recaído na realidade e
passei a não dar tanta importância pra essa decisão.
Coloquei no carrinho meus produtos um tanto quanto anormais e entrei num daqueles caixas normais.
-Então vai mesmo tomar o café que sugeri, não é?
Era a imbecil da festa do tal do Pedro.
Hoje eu não deveria ter escolhido um caixa normal.
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