sábado, 18 de dezembro de 2010

Cinco minutinhos

Nunca me preocupei com a morte. Nunca vi graça em esperá-la, nunca entendi porque ela incomoda tanto os mais velhos, nunca entendi se ser adulto é apenas estar preparado para morte. E também nunca morri. Nunca morri hoje, pelo menos. Hoje minha mãe não me acordou às seis da manhã dizendo que estou atrasado para a aula. Não precisei implorar por mais cinco minutinhos de vida na minha cama quente e macia. Sei que minha mãe falaria muito sobre a minha preguiça e falaria muito mais coisa chata que eu não entenderia por estar meio dormindo, meio acordado. Mas acabaria cedendo e me dando mais cinco minutos de vida e de felicidade.

Toda mãe é um deus em potencial. Isso não é papo de católico não, embora todas as mães sejam católicas, legítimas, em potencial ou enrustidas. As mães servem para nos acordar, fazer almoço e para falar de Deus. Acho que servem para outras coisas também, mas não me lembro e não quero me lembrar agora. Os pais, esses eu definitivamente não me lembro pra que servem. Dizem por aí que Deus é pai e acho que essa é a única função dos pais: serem comparados com Deus. Acho muita sacanagem com Deus. Só um pai, esses sacanas, faria uma comparação dessas. Não posso comparar Deus e pais antes de ser um. Não posso comparar Deus com os pais antes de implorar por mais cinco minutinhos.

Um dia Deus irá me acordar. Vou assustar achando que é minha mãe me chamando pra ir pra escola, mas logo vou me tranqüilizar, ao descobrir que foi só minha morte que chegou.

-Que susto, Deus! Achei que era minha mãe me chamando pra escola.

-Que nada, meu filho. Só fiquei preocupado porque você estava tendo um pesadelo. Você estava esperneando, gritando, suando... sei lá. Estava aqui te observando e achei melhor de acordar.

-Sério? Uai, nem lembro porque estava dando tantos chiliques, não tive um sonho tão ruim assim.

-Esse sonho se chama vida, meu filho.

-Uhn, até que essa tal de vida foi boa. Não deveria ter esperneado tanto. Então agora acho melhor tentar dormir de novo pra ver se consigo voltar ao mesmo sonho. Já fiz isso algumas vezes, e consegui! Em um dos meus sonhos eu estava até conversando com o Senhor, lembra?

-Lembro, lembro sim. Eu lembro de tudo. Mas sinto te informar que não é possível voltar para este mesmo sonho. Não agora, por enquanto. Talvez você sonhe com isso em outras épocas. Infelizmente, agora não dá. Você tem que sair daí...

-Quer dizer que tenho que ir pra aula, né? Ah, tava muito bom pra ser verdade... Por favor, me dê só mais cinco minutinhos, então.

-Não diria que você iria para escola, mas ainda te falta muito para aprender. E a respeito dos cinco minutinhos...

-Por favor, Deus! Por favor! Juro pelo Senhor que serão só cinco minutinhos mesmo...

Prestem atenção: é nessa hora que a experiência com cinco minutinhos definem nossas vidas. É bom saber o que fazer com eles, caso seu desejo seja concebido.

Aproveitando-se da sua proximidade com Deus, pode-se ser ambicioso e ir pedindo logo uma nova vida. E que essa vida fosse uma vida sem escolas. Pode pedir-se mais dinheiro, mais mulheres, um video-game novo, um campeonato mundial para seu time e até um outro pai.

Mas nos meus últimos cinco minutinhos, pedirei só uma ida ao banheiro. Vou me olhar no espelho, lavar meu rosto e checar minha barba. Se a barba for de verdade, tudo também seria de verdade. Se não, eu ainda seria apenas uma criança sonhadora, em mais um de meus delírios. E provavelmente já estaria atrasado pra aula...

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