terça-feira, 22 de novembro de 2011

Poema de Corpo Presente

a notícia correu rápido
rápido como poesia ruim
correu rápido nas casas das velhas
e nas praças dos velhos

mais uma morte no bairro?
é luxo demais!
quanto luxo
essa vaidade de sobreviver!
não se preocupe,
morte.
esses te esperam
-inadmissivelmente-
por ali
pelo menos você
há de chegar.

a à toa do 113
entre um angu
e uma couve refogada
sai lá fora
onde não há pessoas enlatadas
pescadas
ensardinhadas
nos carros enfileirados
nas cidades grandes
da sua tevê.
sai lá fora,
se gaba
e
persiste:
meu mais novo me disse
mas nem precisava,
eu ainda lembro
deles, moleques,
brincando descalço
cutucando sapo
empinando papagaio
chutando bola
um dia então
debaixo duma trave de bambus
um caiu na sua cabeça
sangrou
sangrou
na certa o retardadou
lavou e quis continuar
com a bola
pra cá, pra lá.
coisa de muleque.
e a mãe deixou
se fosse filho meu...
não tinha ficado desmiolado
por uma trave de bambu
na sua cabeça
depois do escanteio.
coitado
culpa mais da mãe
que do bambu
coitado
desmiolado

o seu Rubem
padeiro
que tinha padaria
se inculpava
deveria ter dado um emprego pra ele
ó ceus
deveria
começava como menino da bicicleta
fazendo cobrança
correndo atrás
gostava de correr mesmo quando menino
virava caixa
depois de aprender de matemática
e de trabalho
e de mexer com dinheiro
e por que não?
quem sabe um dia um padeiro
que faria pão

de remorso
também vivia Carla
por que não dei pra ele
?
Carla
de tanta beleza e mitideza
Deus a castigou
tanto marrou, marrou
que quando deu
emprenhou.
ficou gorda, feia
(chata já era)
e com filho pra criar.
nem casou.
o velhaco
que a descabaçou
sumiu e
nem sobrenome deixou.
bem feito.
por que não dei pra ele?
se penitenciava ela
por que não dei pra ele
nem pro marquinho
nem pro pedro
nem pro celso
paulinho
renato
luís
nem pra ninguém?

ele havia de ser poeta mesmo
parem com isso
todos vocês
dizia o amigo
que por ali mesmo ficou
no bairro, na cidade
na mesma casa
na mesma amizade
na mesma incompatibilidade
mas na mesma amizade.
ele havia de ser poeta mesmo
era isso
ou enviadar
vocês queriam ele enviadado?

e o corpo chegou
corpo
nasceu numa folha de caderno
linhas normais
papel branco, retangular, etc
as margens não foram respeitadas
foram rabiscadas
asteriscadas
foda-se as margens.
virou um livro
lindo, pomposo
editoriado
conceitual
ou, como diriam,
eviadado.

eis o poema de corpo presente
onde há tudo
que resultou
ou restou.
poema de corpo presente
aceita-se vigílias
coroas de flores
condolências
saudades
choros contidos,
espalhafatosos,
falsos, por que não?
só não se despeçam
do que não tem fim.



sábado, 8 de outubro de 2011

Poema das Sete Putas

Quando cresci, um amigo gordo
desses que vivem de sobras
disse: Vai, Igor! conhecer a razão da vida.

De nossas casas saímos como homens
correndo atrás daquelas mulheres.
A noite talvez fosse finalmente,
aquela que saciaria tantos desejos.

E meu bonde queria passar entre pernas:
Pernas brancas, pretas, amarelas.
Abre logo essas pernas, meu Deus, gritava o meu tesão.
Porém diante dos meus olhos
não subia nada.

A mulher atrás das pernas
era séria, feia e barata.
Quase não conversava.
Em poucas vezes, raras vezes
perdoava o homem que brochasse.

Meu Pênis, por que me abandonaste
se sabias que disso eu pouco sabia
se sabias que eu era fraco.

Pênis pênis, vamos, pênis
se eu comesse todo mundo
até te perdoaria, mas agora não.
Pênis pênis, vamos, pênis.
mais vale você que meu coração.

Eu não devia dizer
mas essa história
com essa puta, feia como diabo
foi a primeira das sete que comi.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Palavrada

"Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira."

Manoel de Barros

1- Palavra, coisa besta que não basta. (Nem pros bastardos)

Palavra pra nome nem falo. Não nomeio: não falho.

Deslimito.

Palavra pra mim gosta de poesia.

Todas as coisas poderiam falar por mim. Mas só dou liberdade pras que falam em poesia.

Eu dou poesia.

Poesia é a arte da liberdade. Vem direto do nada rumo a lugar nenhum.

Dá voltas e voltas por aí. Nem precisava, pois é onipresente. Mas passeia só de passeio. Só de poesia.

Se confunde com nuvens (expansão de pássaros).

Se confunde com o nu.

Em mim só confunde.

2- Não confunda essa confissão com confusão.

3- Liberdade é a voz da alma desterrada. Eu grito!

Alguém escuta?

Aí que tá a coisa:

A palavra me tem por completo porque é cúmplice da minha incomplitude.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Dice (Dá-se)

Dados jogados.

Sorte

Proposta?

Morte

Pro povo,

Na bosta,

Dado, jogado.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Igor

Prostrado, arqueado em sua velha cama repensava enésimas vezes sobre suas mesmas frustrações diárias. Essa era a sua lei, sua rotina: falhar desde o amanhecer e ressuscitar o fracasso todas as noites, como se algo em si, algum dia, tivesse poder de mudança. Perdia-se na relatividade dessa tal mudança que se dizia ser feita no mundo lá fora, mas que dentro de si, permanecia inerte. Amigos, mulheres, vícios, dívidas, putas, sentimentos. Mudavam-se apenas os nomes. Uma eterna dança incontrolável de déjà-vus regida pelo círculo vicioso do simples despertar de um dia seguinte. Bastava um alvorecer de suas pálpebras cansadas e lá estava ele a contemplar mais uma vez seus dilemas inpalpáveis. Sentia vontade de matéria, de poder arremessar tudo com suas mãos. De apertar, rasgar, tatear, de se fazer sentido. Mas não podia, tudo estava em sua mente, em suas divagações, suas memórias. Ah, suas memórias! Quantas vezes tentou se livrar deste labirinto funesto revirador de dores...

Buscava refúgios, de todos os tipos. Amparos, ignorâncias, libidos, ilusões. Inutilidades. Frustrava-se sempre, pois nunca foi capaz de alcançar a liberdade de sair de si.

Embora negasse a si mesmo, frequentemente seus devaneios debilitados o levavam a ela, a acomodadora de inadequações, a morte. Não pensava em dar-se ao fim, nunca. Faltava-lhe coragem, faltava-lhe mudança. Tentava adquirir reciprocidade com pactos que fazia com uma força espiritual, que apesar de inominada aos seus conhecimentos, era crida. Não abominaria a benção, seja qual for sua origem, de morrer dormindo. Seria seu momento. Esperava por uma morte que contrariasse sua vida. Morte tranquila, desejada. Prostrado, arqueado em sua velha cama, escrevia.

domingo, 10 de julho de 2011

Fraquejo

À moda antiga?

Na verdade eu mal consigo imaginar como esteja o cabelo dela hoje em dia. Se ainda usa o mesmo perfume, se mora no mesmo lugar ou se ainda sente atração por fracassados. As bandas que amaria até o resto da vida, tenho certeza que mudaram. Ela sempre seguiu os tempos coletivos. Várias modas já se passaram desde a última vez que a abracei. E eu continuo aqui, não me adaptando a nenhuma delas e não encaixando bem em nenhum abraço.

Sempre tive a sensação de prepotência de fracassado. Eu só precisaria de uma chance? Se ela fosse por mim, não existiria nada nem ninguém que a faria mudar de ideia. Falta de modéstia? Vontade de me explicar, de me aceitar, de me assegurar dentro de mim a fim de descobrir que nem todo fracasso foi em vão.

O problema é minha confiança, nunca em doses certas. Ou me falta, a ponto de cair na realidade e me perceber como sou. Ou me sobra, achando que o fracasso é só questão de ponto de vista e que assim devo ser, até que a empatia se sobreponha a inadequação.

Não me pertenço?

Preciso da eterna busca de virtudes ocultas. O exato, escancarado, o gratuito, nunca me completou. A procura desse feixe de luz externo vem da escuridão interna? É por ter demais a mostrar? Chega a incomodar tudo isso que, até segunda ordem (ou segundo amor), está escondido em mim. Guardado ali, quietinho, embaixo de tantas decepções e precauções, defendendo. Carrego no olhar a angústia de não saber o quanto mudei, o quanto preciso mudar.

Vem, esbarre em mim qualquer domingo na rua e lance de volta seu sorriso sem graça. Me confunda, me contradiga outra vez.

Desculpe pela sinceridade

Pare. Pense um pouco sobre essa angústia/egoísmo de buscar o amor de alguém. Já tá me enchendo o saco ficar aqui lembrando dela, escrevendo, tentando identificá-la em alguma música ou filme imbecil. Tô achando que só esse incomodozinho chato que sinto já me dá autoridade de entendedor de poesia, de filosofia juvenil de boteco de velho, de amor. Quanta falta do que fazer, meu Deus!

Dá vontade de quietar um pouco. Sanidade sim, sanidade não, me pego imaginando o após: a tranquilidade extasiada de me ter nela e nada mais. Nada mais de melodramas! Dá vontade de ser lembrado só pra ser merecedor do dom de esquecer. Isso é pedir demais? Isso é de pedir? É isso?

Se segura aí! Vai com calma! Tá todo mundo falando isso comigo e tem de dar tempo ao tempo e não sei o quê. Acho que descobriram minha destreza de disfarçar ansiedade como paciência. Vão me chamar de louco. Aceito, se puder ser apenas ser louco. Ou preciso da loucura de me justificar apaixonado?

Não é hipocrisia não, juro. No máximo autodefesa que nasceu por intuição covarde. Coisa que vem de dentro mesmo, nada de psicanálise ou cigarrinho da liberdade. Coisa que não resolve. Agonia. Acredite se me quer.

Sei que ninguém compra vira-lata. Tô me doando.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Gráfica Itaúna

Eu conhecia pouco sobre a cidade vizinha, Itaúna. Sabia que por lá se faziam calendários para abastecer minha querida princesinha do Oeste, Divinópolis. Todo ano era só começar novembro pro Zé Afonso, um vizinho aqui do bairro, começar a distribuir calendários do ano seguinte pra todo mundo.

–Oia gente, toma aqui uns calendários procês, é do meu sobrinho lá de Itaúna que tem uma gráfica e mandou pra mim distribuir, porque tenho muitos amigos e sou bão pra divulgar.

Todo ano era a mesma história, mas ele insistia em contar e eu achava um ato de muita educação fingir que não conhecia o que ele tava falando.

-Ah é, Zé? Ele tem uma gráfica?

-Tem sim, uai. Tá duvidando? E tá rachando de ganhar dinheiro lá, porque lá que é lugar bão pra ficar rico. Tá com um carrão zero quilômetro e come as muié que ele quiser. Aqui num tá com nada não. Se eu fosse igual ocês que tão novo eu ia pra lá fazer a vida.

O Zé tinha um complexo de inferioridade diferente só porque era inferior. Fazia questão de falar o quanto era humilde, o quanto era esperto e que só não tinha ficado rico porque não ligava pra essas coisas quando era mais novo. Falava também sobre o quanto a família dele e os amigos de infância tinham ficado bem sucedidos.

Nunca cheguei a ver ninguém da família dele. Os amigos dele, ou ex-amigos, via como um flash atrás de um vidro dianteiro de algum carro. Todo carrão que passava na rua buzinava pra ele e gritava: “E aí Zé!”. Então o Zé gritava de volta: “E aí viadão!”. E então o Zé parava um pouco de sua vida parada para me contar todas as histórias podres de juventude dos caras que passavam com carrão. Segundos, buzinadas e um súbito grito de cumprimento eram suficientes para o Zé mergulhar em suas memórias e ficar ali me contando por longos minutos sobre a vida alheia.

-...e agora esse viado aí tá podre de rico. Tá morando lá no Bom Pastor e todo ano troca de carro.

E todo ano seguinte chegava fevereiro e o Zé ainda tava com um monte de calendário da Gráfica Itaúna. Aí ele começava a distribuir mais uma vez pra todo mundo.

-Toma aqui mais uns calendários pra você. Aproveita e leva uns pra sua vó e outro pra sua tia. Toma, se quiser leva esses aqui pra sua professora que deve precisar muito de gráfica.

(Acho que o Zé nem sabia direito pra que servia uma gráfica, só imaginava que era coisa de gente importante, estudada e subida na vida).

-Uai Zé, Brigado. Mas cê já me deu um monte ano passado. Se quiser guardar esses aí pra dar pro resto dos seus amigos, num incomodo não.

-Ahh, pode levar essas desgraças aí e faz o que quiser com essa porra. Se quiser queimar tudo, pode queimar, nem ligo. Só quero dar um fim nesses trem. Todo ano o viado do meu sobrinho só sabe me dar esse monte de calendário. Nem pra passar aqui em casa e me dar ao menos um frango de natal. É assim, tá vendo? A gente faz tudo pra família e pros amigos e quando eles sobem na vida esquecem que você existe.

-Tá certo Zé, tá certo. Esse povo é assim mesmo. Mas pode me dar um pouco desses calendários aí que eu sei de um monte de gente que tá precisando. Afinal, o ano só começa depois do Carnaval, num é mesmo?

Todo começo de ano eu percebia que os amigos do Zé nem eram assim mais tão amigos e que ele nem tinha a família tão subida na vida. Mas ele tinha um dom danado de me fazer pensar nas coisas.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Gênese e o Zepelim

De tudo que é criador,

Do velho Olimpo aos novos lucros,

Ela já foi recriada.

Explica aos ignorantes

Como o tudo indesejado

Só vem a quem não tem nada.

Dá-se assim, pra quem aceita

Na garganta, na porrada

Atrás de tanto mal contado.

É a rainha dos isentos,

Dos medrosos, dos injustiçados,

Dos pensamentos limitados.

E assim se vai a esperança

Desse meu povo sem saúde,

Na hipocrisia de um existir.

Senhor, tende piedade!

É por falta de afinidade

Essa minha inquietação?


Jogaremos pedras na Gênese!

Jogaremos bostas na Gênese!

Enquanto ela não nos ensinar

A limpar esse cuspe

Escarrado na nossa estupidez

Maldita Gênese!

segunda-feira, 30 de maio de 2011

De Divinópolis

A primeira vez que a vi foi no ABC ali da Vinte e Um de Abril. Eu estava ali comprando um pouco de cotidiano e entrei na prateleira de suco. O ABC é o maior supermercado de Divinópolis, onde vai todo mundo: os poetas, as donas de casa, os garotos a mando das mães. Os mendigos até vão, mas nunca os deixam entrar, então eles ficam do lado de fora pedindo esmola. E lá na prateleira de suco tava ela, comprando suco no cotidiano divinopolitano.
De suco eu entendo. De comprar suco quando bate o primeiro sinal da Rede, avisando que são onze horas. Aí minha mãe grita: menino, vai no ABC comprar as coisa pro almoço!
Tem dia que dá uma saudade de Divinópolis. Até mesmo de ir no ABC, e olha que tudo lá é bem caro, devido ao monopólio. Dizem que ultimamente até baratearam os preços, por conta de um supermercado novo que vem adentrando aos poucos na cidade. O problema é que é um supermercado de fora e no fundo acho melhor pagar mais caro e dar um pouco de emprego pra minha gente.
Mentira, eu prefiro pagar mais barato mesmo.

Voltando ao dia do suco, do ABC e essas coisas, confesso que na hora me deu uma vontade danada de perguntar se ela queria ajuda porque não é qualquer um que escolhe bem os sucos. Aí eu penso, imagina ela aqui do meu lado agora e falando: "Quer ajuda pra escrever aí?" Então foi melhor ter me recolhido a minha falta de lirismo e não ter falado nada mesmo.
Se bem que às vezes eu penso de quando eu vou na prateleira das verduras e as donas me ajudam a escolher as coisas. "Menino, olha bem a ponta do quiabo: só compra se ela quebrar facinho". Odeio quiabo, mas adoro quando as donas vem falando essas coisas pra mim. Nunca se sabe das revoluções que a vida dá, e vai que eu passo a gostar de quiabo?
Por enquanto ainda não gosto de quiabo, mas nunca mais consegui comprar suco sem lembrar de poesia.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Enventos

Lá fora chove solidão
Aqui dentro brisa
Um eu que me traz a mim

Lá fora, o caos
De se sonhar em sensatez
Aqui dentro
Com alma, a calma
Se se teme
Não se tem

Lá fora
Sempre se chega lá
Aqui dentro
Voar em bando
É medo de voar

Ela me convida pra sair
Me acusa: inventor de ermos!
Me defendo: invento que ela existe.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Poema de Merda Poética

Após em sonhos me perder,
Tenho um estranho despertar
Tenho vontade de merda escrever
Ou poesia cagar?

E a culpa, em quem colocar?
No livro insano que ontem eu li?
Na feijoada enlatada que ontem comi?

A vingança interna não cabe mais em mim
O desejo de justiça e liberdade se espreme pra sair
Sento na privada, só me vem devaneios sem fim
Penso na amada, só vem aquele cheiro ruim a subir

Me tire daqui! -A poesia implorando a gritar-
Me tire deste corpo apertado que já não me suporta
Dê descarga, e mande ao esgoto o que já não importa
A merda, por sua vez, só quer se eternizar:
Me passe para o papel! É assim que quero partir
Entre o lixo e o incômodo biológico do existir

Olhem bem que homem me tornei!
Não sei o que declamar, ao que limpar
Mas sei bem o que farei
Se acaso me permitirem delirar.

As Quatro Gordas do meu Apocalipse - Parte 1

Fazia quatro gordas que eu não era feliz. Fazia três meses que eu só comia gordas, gordas, gordas e a Duda, uma cheiinha que também incluirei na raça das gordas para aumentar o meu drama. Conto sobre ela e as demais gordas mais tarde. Agora é hora de falar do meu inferno e das reencarnações que fui obrigado a passar lá. Falarei desse tormento maldito que vivi, e que ainda sinto que foi tudo graças a alguma maldição demoníaca da minha ex, Gabi.

Gabi, aquela que eu mais comi (com o perdão da rima), não tinha nada de gorda. Tinha o corpo inteiramente suculento. Gostosa com todas as letras, com todos os peitos redondos, branquinhos e ainda com mamilos rosa. Uma daquelas mulheres gostosinhas desde pequena. Chegou até a tentar dar uns passos como modelo na pré-adolescência, por incentivo dos seus sonhos medíocres de classe média. Não aguentou muito tempo. Mandou tudo à merda (acho que é daí que vem sua mania de mandar tudo à merda) e resolveu perder a virgindade com quatorze anos, dando pra um marginalzinho qualquer da zona norte.

Merdas e merdas, anos e anos depois, Gabi me conheceu numa dessas festas de “cheire quanta cocaína que seu nariz puder” e acabamos nos encaixando, literalmente. Acho que ela via em mim afinidade, o mesmo passado promissor e o futuro com nada pela frente. Enquanto isso, eu via nela aqueles peitos redondos, branquinhos e com mamilos posicionados milimetricamente no lugar certo.

Um dia, enquanto eu a tocava, ela se tocou. Deu uma dessas crises de mulher louca e disse que queria terminar. Me mandou à merda. Nem me importei, apesar de forjar uma cara de desentendido. Fiquei triste mesmo por não poder ter terminado o serviço e de ter de guardar o pau duro na calça jeans. No mais, sempre soube que esse dia chegaria. Era só questão de tempo. Questão de merda, ela mandava todos e tudo à merda. Ouvi tudo e logo percebi que ela não queria me ouvir. Sai de sua casa e prometi ligar pra ela mais tarde, para marcar o término da trepada, quer dizer, para conversarmos melhor. Ela continuou me mandando à merda.

Virei a esquina da sua rua e ainda ouvia seus palavrões. Felizmente, palavrões sempre me remetem a liberdade. Logo comecei a imaginar a liberdade que me esperava. Imaginava a quantidade de gostosas que poderia comer. Por alguns segundos de insanidade, até pensei “ela nem era tão gostosa assim”. Imaginava as orgias que estavam por vir, com mulatas, japonesas e gêmeas suecas. Mas nenhuma dessas vieram.

Vivi na merda, assim como Gabi havia desejado. Vivi, isso é, sobrevivi de filmes pornôs, punhetas e prostitutas baratas. Minha aceitação de pós fim de relacionamento durou muito pouco. Ligava para Gabi praticamente todas as noites. Queria dizer o quanto sentia falta de chupar aqueles peitos. Queria ouvi-la dizendo o quanto sentia falta de me chupar. Mas Gabi nunca me atendeu. Talvez por ter mudado o número do celular, por estar dando pra qualquer um da zona norte, ou por medo de não se segurar de tesão ao me ouvir falando de peitos, saudades e perdão. Acho que nunca saberei.

As Quatro Gordas do meu Apocalipse - Parte 2

O que sei é que tentei de todo jeito esquecer aquela vadia. Fui até na igreja um dia, pra ver se tirava a urucubaca. Na igreja comecei a viver meu purgatório. Lá do último banco, avistei uma gorda que era amiga da Gabi. Gláucia era uma dessas amigas gordas que sempre invejaram Gabi por ser gostosa. Provavelmente devia estar ali rezando para Santo Expedito te encontrar um pau amigo, de tão feia que era. Trocamos alguns olhares e saímos antes mesmo do sermão terminar. Falando pelo canto da boca, mandei o padre à merda. A gorda achou aquilo o máximo, mas disse que ainda havia muito da Gabi em mim e prometeu que me faria esquecer ela rapidinho.

Comi a Gláucia por algumas semanas. Enquanto a comia, sentia a falta de poder aguentar uma mulher cavalgando em cima. Ao contrário do que ela havia me prometido, eu só conseguia me lembrar cada vez mais de Gabi. Tentei esquecê-la, ou encontrá-la em mais duas outras gordas quaisquer. Vanessa e Bárbara. Não adiantou. Trepavam como gordas.

Comi também a Duda, que era cheiinha. Bem melhor do que as outras três gordas anteriores, mas ainda assim gordinha. Senti que aquilo poderia ser o início de uma nova era. Duda era a transição entre a gostosura e a gordura. Aquilo parecia ser a transição do meu purgatório em paraíso. Tempos melhores viriam.

Duda era também inteligente e simpática. Nos dávamos bem. Certa vez até a apresentei como namorada para um amigo. Fábio, por sua vez, dias depois me apresentou sua namorada. Linda, com o ar blasè, voz de entediada e um quadril que me levaria à loucura na primeira mordida que desse. E ainda por cima, magra.

Como estou pouco me fudendo para amigos e sentimentozinhos melodramáticos, tratei logo de ir dispensando a Duda e de ir enganando o idiota do Fábio. E foi mais fácil do que pegar gordas.

Bianca, a magrela blasè, me ajudou bastante. Não se fez de difícil nem de puritana. Parecia ter lido em meus olhos a necessidade que eu tinha de comê-la. Após dois dias de conversa no celular, consegui convencê-la a ir ao meu apartamento.

Quando ela tocou o interfone, ouvi uma espécie de harpa celestial tocada por anjos. Eu subiria aos céus novamente, e prometi pra mim mesmo não sair de lá tão cedo. Nada de gordas, falta de fôlego, fracassos pessoais de masculinidade ou posições desconfortáveis. Nada de lembrar de Gabi e me humilhar, rastejando como um verme no cio. Aquela era a minha hora.

Fui logo a atacando. Beijei-a e retirei com força seus seios pra fora. Não eram perfeitos como o de Gabi. Senti certa fraqueza, decepção. Algo em mim me dava vontade de chorar, desistir e me contentar com gordas pelo resto da vida. Mas continuei. Apaguei as luzes do apartamento como uma virgem de quinze anos. Ela perguntou se eu me sentia inseguro com meu pênis ou sei lá o quê. Respondi que sei lá o quê. Ela parecia ser bem experiente, mas estava começando a se sentir incomodada com aquela situação. Não me importei. Continuei a chupando e a apertando, sem dar muito valor aos seios, ainda com certo receio. No final, ela parecia ter gostado. Acendi às luzes e esbocei algumas palavras, apesar de bufar de cansaço como um búfalo.

Bianca me definiu como uma estranha mistura entre inocência e vulgaridade. Eu respondi dizendo que a inocência e vulgaridade estão nos olhos de quem as vê. Eu só estava me sendo.

Hoje estou livre da maldição. Subi aos céus outra vez, mas resolvi voltar ao purgatório, onde se há mais gente como eu. E ainda sinto saudades do meu demônio, Gabi. Um lindo demônio que adorava me fazer cair em tentação, com aquela insanidade e com aqueles peitos. Ah, aqueles peitos...

sábado, 14 de maio de 2011

Sábado Quatorze

Sorte de quem se sente pássaro usando os olhos para ouvir o silêncio.

Sorte de quem usa a infância para se lembrar de como se guarda a alma em cima duma árvore.

Sorte de quem se lembra de incluir em suas orações um “livrai-nos da sensatez, amém”. E nisso, inclua a sorte de quem não sabe se amém se escreve com m ou n, então promete aprender latim no próximo ano. E junto com o latim, vai aprender a fazer pipoca doce, vai ligar mais para sua mãe e quem sabe até largar o cigarro.

Sorte de quem teme que o pão volte a custar trinta centavos. De quem teme que a prefeitura volte a cortar a árvore em frente a sua casa. Sorte de quem teme, mas nunca teme a Deus. De quem conversa com ele, de quem já não procura entender e de quem espertamente se finge de ateu quando um crente bate a sua porta às oito da manhã.

Sorte de quem é chamado de louco, de desperdiçado. De quem desplanejou o futuro e pretende continuar pobre. De quem tem vontade de fugir pro mato, mandando tudo à merda, mas lembra-se que ainda há muitos livros para serem lidos e muitos amigos para serem reencontrados e reinventados.

Sorte de quem sabe cozinhar, mas não aos domingos, por acordar tarde demais. Então enfia cinco mangos no bolso e sai pra rua, se esquecendo de como anda cara essa coisa de viver. E na rua, sente falta de alguém. Pensa na amada umas duas vezes, mas se esquece completamente quando vê uma garota de dezenove anos com seu balançar de bunda esculpida por toda a volúpia desse mundo.

Sorte de quem faz barquinho com todo papel de propaganda de supermercado. Sorte de quem ainda se lembra das canções cantadas pela avó. E acha uma besteira só todas essas músicas novas e histórias mal-inventadas que passam na tevê.

Sorte de quem, no sábado, descobre uma peça gratuita e decide chegar cedo ao teatro, por achar que vai lotar. Descobre então que os teatros não se lotam em sua cidade. Sorte dessa cidade ainda conter a sua infância.

Sorte de quem se vê criança, se vê árvore, se vê pássaro, se vê sem ser visto.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Vem cá e faz melhor

Disputa, competição, vencedores e perdedores. Nada disso me atrai. Dizem por aí que o amor é um jogo, que a vida é um jogo, mas que um jogo não é um jogo, é só sorte. Sorte de quem acredita nessas contradições. Sempre me contrario em definições. Me perco em amores, me venço em temores e me empato em muitos, porque muito ainda me resta desse direito (defeito).

Mostro logo na primeira conversa meia dúzia de defeitos. Indeciso, nunca sei se digo oi ou olá. Depois disso, tempo algum ou tempo nenhum, passa. Por não ser desse tempo e por sobriedade de sobra, me sobra pouco. Sou imposto a caminhos não desejados, a desejos não renovados, a defeitos imperfeitos.

Desejando ou não, assim vou caminhando, com todos defeitos à mostra. Não há problemas em tê-los, a não ser que eles apresentem defeitos, como os meus. Meus defeitos são chatos demais, me obedecem e seguem comigo na coleira, sem latir. Esses defeitos já domados, que dão a pata e se fingem de morto se você pedir. Chatos demais, chatos. Monótonos, nada selvagens. Defeitos que se acostumam.


Dica para a felicidade eterna: venha e faça pior, do jeito que precisa ser.

Passe

As pessoas passam. Passam, passaram, passarão. As pessoas tem passado. E nesse passo, passo também. Passo esperando o que não vem de pressa: a maturidade. O quanto me exponho, o quanto fantasio o cotidiano, o quanto de tanto tem passado em minha mente. E o quanto eles ainda me são? Espero uma mudança de ideias. Algum (ns) lado (s) está (ão) errado (s). Já aviso: passo pra trás eu não dou. Não esqueço nada, muito menos me faço de durão. Perdoo sim, e até facilmente. Isso deve estar bem escancarado na minha cara, na minha cara a tapas. Estapei-me. Não espere a outra face assim como espero desculpas. Quer dizer, me desculpe. Mil desculpas. Não era bem isso queria dizer. Não era bem isso que gostaria de ouvir. Não era assim que gostaria de ser. Não era assim que gostaria de te ter. Não era assim. Já não era sem tempo. Já era.



Tempo.


quarta-feira, 6 de abril de 2011

Cara de Pai

São seis e meia da manhã. Minha mãe aparece para me acordar, falando que tenho aula e que preciso correr pra não me atrasar. Me incomoda a cara de merda que ela faz quando fala comigo, principalmente quando me acorda. Ela demonstra frieza, ou quem sabe um profissionalismo de mãe. Não se envolve com trabalho. Lugar de se divertir é lá fora, aqui dentro de casa ela é mãe, só mãe. Mãe: aquela que te acorda xingando caso você perca a hora, mas te acorda.

Digo que o despertador não tocou. Ela esfria ainda mais sua cara, como se respondesse subitamente: sei que adianta seu relógio nas quartas-feiras, para ver se perde a aula de química. Ou até mesmo: sei que sempre usa cueca branca nas sextas, para agradar os caprichos da Juliana, caso consiga matar aula com ela no último horário, em sua casa, enquanto o pai dela sai para fazer jogos na loteria. "Eu sei muito, muito. Contemple minha expressão frígida, seu imbecil".

E a cara dela de frieza, mostrando que sabe muito, me incomoda. Talvez ela queira demonstrar que mesmo não prestando atenção em mim, consegue facilmente me decodificar. Talvez ela queira demonstrar que sou mesmo igual a todos os outros. Talvez seja só coisa de mãe.

Na sua cara pós-acordamento-de-filho, também inclui um singelo "arrume sua cama e faça seu próprio café". Nessa hora sempre me lembro de quando ela costumava fazer a melhor salada de frutas matinal do mundo, e imagino a satisfação que ela teria se descobrisse o quanto sinto falta daquilo. Hoje, tenho que me contentar com minhas habilidades, de preparar um Toddy, um pão com qualquer coisa, uma banana e uma bolacha, para levar na mochila.

Embaixo da minha calça jeans, ainda está meu pijama cinza, que ganhei da minha avó. Sinal de que está muito frio. Sinal de que tenho muita preguiça ou quinze minutos é muito pouco para acordar, trocar de roupa, arrumar a cama e preparar o Toddy. Sinal de que hoje estou pouco me fudendo para caprichos de qualquer garota.

Antes de sair, ela me deseja a companhia de Deus. Antes, desejava-me também juízo. Hoje, já deve ter se tocado que ao contrário dela, não me divirto lá fora. Ainda assim, a agradeço. E lanço em troca minha cara de "pode deixar que passo no açougue na volta, para trazer a carne do almoço". Sei que do alto da sua independência, sabedoria e cara frígida, isso não deve fazer tanta diferença. Mesmo assim me imponho, tentando harmonizar qualquer devaneio perdido em minha mente. Talvez seja só coisa de filho.


Às vezes, no meio do caminho para a escola, me perco em tristezas e tento livrar minhas memórias da cara de frieza da minha mãe. Tento me lembrar da cara do meu pai, mas já faz tempo que não o vejo.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Talvez hoje

Talvez essa felicidade instantânea esconda secretamente alguma razão

Talvez hoje, mesmo que sozinho, eu tenha acordado com o pé direito

Talvez a sorte venha há tempos me observando

Talvez mais méritos coexistam em mim

Talvez a distância se quebre, assim como meus medos

Talvez eu tenha andado com pressa ultimamente

Talvez o tempo venha me pregando peças

Talvez o tempo tenha resolvido fantasiar de um sorriso seu

Talvez o tempo também seja irônico

Talvez o tempo seja controverso, e contra os versos que te escrevo

Talvez ainda haja tempo

Talvez hoje, a dor que me espera, me anestesiará

Talvez hoje, a felicidade diária queira se concretizar

Talvez hoje, a minha espera termine

Talvez hoje, meu término me reinicie

Talvez hoje, me sirva te abraçar

Talvez hoje eu apenas agradeça a essa tal vez que te conheci.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Costas

Preciso de um desses seus abraços. De um, desses, que no fim das noites você tenta buscar em qualquer homem que te diga mentiras agradáveis. E assim como eu, sabe que fracassa. E assim como eu, leva mais um dia de desilusão pra cama, apesar de estar sempre com a libido em dia. Mas não se importa, ainda haverá tempo. Mas quem de nós pode falar de tempo?

Você anda por essa cidade de espelhos, de reflexos e de elogios poucos sinceros e se garante: ainda haverão mais uns vinte e cinco ou trinta anos dessa sua beleza instantânea, covarde aos olhos dos amantes e dos desiludidos de primeira viagem. Distribui sorrisos fáceis por aí, sem se preocupar com sua perda de espontaneidade. Talvez por lembrar de fazer-se lembrança para quem te faria sorrir na varanda de sua casa, reparando a pequenez das juventudes ou os desgostos das maturidades.

Enquanto eu estou sempre aqui, carregando como certeza apenas a inquietante dúvida entre a eternidade do simples e a efemeridade dos desejos. Me contentando em ser ouvidos, me condenando em me contemplar. Seguindo, ainda sem saber por onde, e tentando tirar as sinas pesadas demais sobre essas suas costas tão apertadas. Apertadas, acariciadas, desejadas, abraçadas. Ou quem sabe, destinadas.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Gostosas

Em qualquer um desses próximos dez dias completarei dois meses de sobrevivência nessa cidade que tanto se parece comigo. Lá em casa, lá na minha cidade, ainda tentam encontrar algum motivo que possa justificar minha mudança. Foi uma mudança a trabalho, segundo minha mãe. Para meu pai, foi alguma mulher que encontrei. Para minhas tias, ainda não me livrei das drogas e acabaria morrendo de AIDS qualquer dia desses se não encontrasse Jesus. Meus amigos, se é que posso chamá-los assim, ainda nem perceberam que me mudei. No fundo agradeço a todos por ainda me colocarem na categoria das pessoas que precisam de motivos para sobreviver.

Só espero que um dia todos entendam que as pessoas mudam. Mesmo as pessoas que não acreditam em mudanças, acabam mudando.

Aqui tenho um trabalho fixo: o de trabalhar com qualquer coisa. Ainda não descobri muito bem pra que sirvo naquela “empresa” que fica naquela rua que ainda não sei o nome. Comecei como motorista de uma caminhonete velha, mas logo me rebaixaram de cargo por não conhecer nenhum lugar da cidade e passar mais tempo pedindo informações do que dirigindo e entregando aquelas caixas de biscoito. Duvido muito que realmente contenham biscoitos naquelas caixas. Falta preocupação com vigilância sanitária naquele lugar, onde sobram ratos, mofo e fortes cheiros de produtos químicos pouco usuais. A preocupação com a polícia é resolvida quinzenalmente, quando aparecem um tenente e dois sargentos para buscarem um malote pra lá de suspeito. Enfim, isso não deve ser do interesse de um cara que atualmente foi rebaixado a empilhador de caixas. Empilhadores de caixas devem se preocupar com caixas, bebidas e gostosas.

Todos os dias após largar o serviço por volta de oito da noite, passo no hotel meia-estrela onde me abrigo às vezes, guardo meu uniforme carinhosamente no chão, pego um casaco qualquer e parto para o bar do Mauro, onde me abrigo sempre.

No caminho entre o hotel e o bar, há muitas gostosas. Muitas, muitas mesmo. Partem de algum lugar desconhecido e vão para algum lugar que eu não sei. Mas elas sempre estão cruzando o meu caminho, andando, sendo observadas e sendo gostosas. Às vezes sinto que observá-las será minha única alegria do dia, então paro na esquina e como um bad boy apoio um dos meus pés na parede, acendo um cigarro e faço cara de estar esperando alguém ou ninguém. Quando tenho sorte, noto alguma reação de uma dessas garotas gostosas e menores de idade que adoram bad boys. Lançam-me olhares baratos e sedutores, os quais nunca consigo responder à altura. Então cai a minha máscara e a minha jaqueta de couro e a minha postura e os meus cigarros de bad boy. Decido recolher-me a minha insignificância de empilhador de caixas, abaixo o olhar e sigo logo para o bar, um lugar de fracassados como eu.

No bar, vivo me perguntando pra onde vão tantas gostosas. Chego a perguntar para o restante dos fracassados qual seria o destino delas. A maioria responde que vão para eles mesmos. Inventam inúmeras mentiras a fim de me fazer acreditar que andam comendo caviar na marmita. O Moacir, por exemplo, ontem mesmo jurou ter comido uma gostosinha de 17 anos. E diz isso como se não tivesse passado o dia inteiro no bar, onde acabou dormindo debaixo de uma mesa, graças à desatenção do Mauro. Finjo que acredito, embora minha expressão não demonstre nenhum sinal de convencimento, o que faz os fracassados insistirem com as mesmas histórias ou outras ainda mais miraculosas em alguns minutos.

Um dia pensei em perguntar sobre as gostosas pro Fernando, um cara com cerca de trinta anos que parecia ser o menos fracassado freqüentador do bar. Talvez eu até acreditaria se o Fernando contasse um desses contos de fadas masculinos contados pelos fracassados. Ele era um cara com bom papo, estudado, aparentemente da classe média e parecia estar passando apenas por um momento ruim, devido a uma briga com seu pai, que te deu de presente o seu antigo carro, ao invés de comprar um zero quilômetro. Certo dia, após muitas biritas na cabeça, acabei admitindo que o Fernando tinha lá seu charme, o que me gerou vários problemas no bar. Então era bom evitar conversas diretas com ele, em nome da minha reputação.

Um dia pensei em perguntar a Marcinha, a única das gostosas que conhecia. Ou melhor, a única das gostosas que eu conhecia o nome. Marcinha já estava pra lá da casa dos trinta anos, o que já lhe dava atributo de veterana entre as gostosas mais novinhas. Marcinha andava sempre com três amigas, duas dessas loiras de farmácia que já deviam ter sido contempladas com a felicidade de arranjar um velho rico, mas decidiram abandonar tudo e voltar para a pobreza em nome do seu amor maior: transar com qualquer cara. Também nunca me esqueço daquela ruiva, que pelo contrário das loiras, parecia ter no cabelo o seu único atributo original de fábrica. Sempre me perguntava se aquelas gostosas novinhas sobreviveriam ao tempo como Marcinha e suas amigas, mas todas pareciam não se preocupar muito com o tempo, todas eram efêmeras. Tirando as quatro gostosas acima dos 30, todas as gostosas pareciam brotar do nada e acabar indo para lugar nenhum e nunca mais cruzavam o caminho entre o hotel e o bar. Tudo isso só aumentava minha suspeita sobre o destino das gostosas: elas deviam encontrar homens ricos, bonitos, inteligentes ou qualquer atributo que os diferenciem bem de mim e assim mudavam com eles pra qualquer cidade/estado/país, por qualquer motivo ou porque as pessoas mudam.

Um dia perguntei pra Marcinha. Ela assustou e perguntou como eu sabia o nome dela. Não soube responder e disse que não interessava. Então ela disse que também não interessava saber pra onde as gostosas vão. Insisti perguntando porque ela e suas amigas sempre estavam lá, ao invés de simplesmente sumirem do mundo como as outras gostosas. Ela retrucou dizendo que não me interessava e ainda me mandou tomar no cu. Fiquei calado por instantes, tentando achar mais alguma dúvida que me intrigasse. Não achei. Levei um tapa no rosto daquelas mãos lindas, macias e perfumadas de Marcinha, que depois virou de costas e saiu andando como uma mulher pra lá dos trinta que continua gostosa como uma de dezessete. Aproveitei pra olhar sua traseira, tudo ainda estava em cima. Aproveitei também pra dizer que se ela continuasse assim sem sumir pra nenhum lugar com qualquer homem rico/bonito/inteligente/diferente de mim, ela poderia me procurar. Mas só se continuasse gostosa, porque as pessoas mudam. Mesmo sem querer, acabam mudando. Sempre mudam.