domingo, 18 de agosto de 2013

Serendipidade

um poeta exilado
achou abrigo em mim
e ainda anda se manifestando
dizendo ao mundo
o aperto que passa aqui dentro

o poeta exilado
que achou abrigo em mim
não trouxe bandeira partidária
nem garantia monetária
mas não deixa de escrever à amada

descobriu
que quer mesmo é ajudar
com filantropia poética
quer curar doenças
alimentar a alma
educar os olhos
dar de brincar onde há criança

o poeta exilado
que achou abrigo em mim
parece falar outra língua
mas até entendo quando
diz que quer ficar
e não comprou passagem de volta

tem um poeta exilado
que achou abrigo em mim
e eu nem sei por qual fronteira ele passou
guarda nenhuma o persegue
nem há recompensa para qualquer informação
que leve a sua captura

um poeta exilado
achou abrigo em mim
e os americanos
aqueles putos
não enviam ajuda
aí fica difícil
matar dois de mim com um poema só.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Per un pugno di samba

Eu, que vou vivendo sem ser muito de querer, sem ser muito de ganhar, queria ganhar a vida dizendo o quanto você é linda.

Se fosse artista pintaria uma tela, uma obra prima daquelas tapa na alma, à frente de nosso tempo. De nosso tempo que ficou pra trás e que tento trazer de volta em cada tom da aquarela cotidiana das ruas.  Uma tela cúmplice dessas admirações súbitas que sinto ao te olhar, que me prende o juízo e escassa o ar dos meus pulmões. Uma tela que ficasse pendurada lá no Louvre ou na casa da minha vó Lourdes retratando meus sentidos exagerados de moço. Ou se eu pintasse igrejas! Igrejas todas só para te consagrar. Daí então os anjinhos ao pé da cruz teriam sua doçura e as santas seriam concebidas mais cheias de graça porque olhariam com a sede de seu brilho. Explicaria o sagrado: haveria lucidez na beleza. Valei-me Deus!

Se fosse um químico, inventaria uma droga bem forte e alucinógena que desse o seu barato. Intravenosa, indolor e viciante. Daquelas que dilatam os olhos da alma. Minha refinaria seria você. Você onde meu coração é doce e meus sonhos são verdes. Quanto agito, meu Deus! Quanta experiência nova você me traz! Me vê mais uma dose? Eu bolaria um plano infalível de tráfico internacional. Bem interno pra externo mesmo, algo que pudesse te transportar daqui de dentro lá pra fora, sem falhas. Sem te ter e sem te perder. Sem crimes, sem vícios, sem prisões.

Se passasse num concurso público, fosse parente de algum político, arranjasse uma bocada das boas, seria um burocrático com prazer. Trabalharia de segunda a sexta, de nove às cinco, só na marotagem. Ia mandar fazer um carimbo bem grande que dissesse o quanto você é linda. Um carimbo só não, um monte! De um monte de cor diferente, sempre tentando dizer de um monte de maneiras o quanto você é linda, carimbando toda a papelada da cidade. Toda cobrança, todo recibo, todo mandato de prisão, todo cartão de natal de vereador, tudo, tudo. Tudo com um carimbo bem grande oficializando sua lindeza pro mundo todo ficar sabendo.

Se você, princesinha, fosse uma rainha, eu seria seu bobo da corte. Um bem bobo, não desses de fazer piadas, dar cambalhotas e Deus me livre ter que me vestir de palhaço! Um bobo atônito, com olhar perdidinho de contemplação, em perceptível estado de graça. Igual eu fiquei quando te conheci, lembra? Um bobo ali sempre pronto em qualquer lugar de seu reino, sempre pronto pra te bendizer a qualquer hora. Pronto pra dizer pra você o quanto você é linda. Pronto pra dizer em seus momentos reais de alegria, tédio, paixão, desilusão ou de humanidade qualquer. Discursaria para todos os súditos do mundo, ou se quisesse, apenas para você, regente de seu reino intimista. Você é linda! Você é linda! –Diria seu bobo particular, sem bobeiras de primeira viagem. Que doidera, né?

Mas se eu fosse um doido, doido mesmo, desses que todo bairro tem, gritaria seu nome dia e noite pra acordar todo mundo. Pra todo mundo ficar de acordo comigo, com a mensagem que levaria aos quatro ventos da poesia tacando pedras em aviões. Tomaria banho no chafariz da praça proclamando que vi a luz. É, é, eu vi a luz! A luz do discernimento, não a luz desses postes que andaria chutando de madrugada tentando apagar. Gritaria que vi a verdade e seguiria mais tranquilo na vida, com as certezas mais comuns dos homens comuns, a certeza de não saber até onde vamos, mas que temos por onde começar.

Se fosse um escritor... ah se fosse um escritor! Um daqueles bem grandes, com sobrenome e tudo. Te transformaria em versos, numa musa daquelas viajantes das páginas que atravessam séculos e séculos. Te batizaria Laura, Beatriz ou qualquer nome em italiano clássico. Mas a verdade é que prefiro o seu nome. Deixamos os cânones pra lá. Deixamos as concepções antigas pra lá. Seremos nosso próprio movimento. Não quero que me entendam em italiano. Quero me sintam nessa língua universal, nessa língua sem palavras que todos carregamos conosco.

Sentiu?


Ah, lindinha. Se eu fosse escritor juro que perderia essa noite de hoje só imaginando a métrica desse seu sorriso que me dá a certeza de que posso ser o que eu quiser.

sábado, 11 de maio de 2013

Divinóia Desvairada


ali na esquina
à luz do sol
que
       assa
            crânios
            crânios?
       
na esquina?

capricha no pó
me vê um de 10
hoje quero muito, muito
acho que me viciei
culpa desses meus amigos loucos, loucos

capricha no leite ninho, moça
capricha no leite moça, moça
pode um pouco de banana também
com granola paga mais?

sábado, 27 de abril de 2013

O que tenho


        Ele não vai conseguir pegar aquela menina, não vai. Não ele, todo desse jeito dele. Olha lá, diz que fez intercâmbio pra Áustria, Austrália, sei lá pra onde. Já deve tá falando isso com ela. Conhecimento ele tem mesmo. Não vou negar. Fez curso de inglês um tempão quando moleque e judô e natação. Pra mim era só jogar bola, mas nem ligo porque jogar bola era melhor mesmo e a menina não parece ser destas que curte essas coisas de conhecimento e não vai se impressionar. Devia ser eu lá falando com ela, porque sou muito mais simpático e esse cara nem sabe de simpatia. É que ele tem esses dentes brancos e certinhos, olha só, tô vendo até daqui. Os meus dentes são meio amarelados assim e quebrados por conta do café da minha avó que é bom demais e eu tomava bastante, e comia uns biscoitos de polvilho que às vezes ficavam duros depois de um dia pro outro e quebrava, entortava os dentes. Devia ser eu falando com a menina, falando dessas coisas todas da minha vida e ela rindo, passando a mão nos cabelos, olhando pra mim com aqueles olhos cor de verde, sendo cheirosa e eu cheirando sentindo seu cheiro querendo cheirar mais e de mais perto. Eu vou lá, falar com ela, quem sabe um cheiro, eu vou lá, sou simpático e quem sabe. Mas peraí, olha ele lá agarrando ela, pegando beijando apertando indo pro canto e hoje tem.

        Na rua ali aquele outro cara lá falando de gírias com aquele outro. Falso demais. Falso que nem eu falando meu português corretamente. Saber eu sei, mas fica falso. Sabe, não pega bem em mim. Mas saber eu sei, sei dos verbos e todas dessas coisas de ler. Estudei numas escolas péssimas, mas corri atrás, fui à luta, sou batalhador, guerreiro, pardo, devia dar palestras nas escolas ruins, dar exemplos, devia aparecer na tevê, fazer umas propagandas do Governo Federal. Sei de saber português e sei de saber das gírias, conheço os chegados. Não mexem comigo. Quer dizer, teve aquela vez do Fabinho que mexeu comigo, mas não ficou muito bom pra ele, pegou mal, mexer comigo que sou de lá. E daí?, importa é que nunca me assaltaram no meu bairro, tá ligado? E o outro cara ali falando de gírias bem que pode ser assaltado porque acha que tá passando de marginal. Deve tá querendo maconha, comprar a maconha, enrolar a maconha, fumar a maconha. Maconha eu até já fumei eu sei, não precisa me olhar com essa cara, eu explico: eu tinha que saber como era e o Michael me ofereceu e eu sou simpático, o Michael é meu amigo há muito tempo de jogar bola na rua, e ele enrolou e a gente fumou, eu sou simpático não podia fazer desfeita com o Michael. Acontece que no bairro dizem que o Toninho começou assim e olha lá como ele tá, todo fodido na merda, e o cara lá das gírias e da maconha pode pagar clínica de reabilitação e virar crente, eu só posso virar Toninho e não quero virar Toninho não.

        Simpatia, é isso que tenho. Esse povo não tem. No serviço lá, aquele dia, aquele engomadinho que chegou lá, lembra? Roupa social, camisa de gola eu até tenho, mas nem uso pra trabalhar buscar trabalho porque não preciso, tenho simpatia, sei que tenho. Chegou dando conta de economia, que mexeu com contabilidade, eu nem direito o que é isso, mas tem um monte de gente que tem isso de contabilidade. Acontece que o pai do menino tem empresa, tem sobrenome, aí ficou mais fácil pro menino porque o pai dele tem a empresa com o sobrenome dele, onde o menino trabalhou de contabilidade. E eu nem sei onde meu pai trabalha, onde mora, meu pai não sabe onde eu trabalho, onde eu moro, e que onde eu moro o dono da casa já disse que vai aumentar o aluguel e eu vi que vou ter que mudar porque com o que tenho de salário do trabalho não vai dar. Se eu ganhasse o salário do menino da gola de sobrenome do polo pai social engomadinho contabilidade roupa, até teria dinheiro, porque o patrão acabou contratando ele e agora ele trabalha lá, tem dinheiro do salário além do dinheiro do pai. Mas ele não vai durar muito tempo lá não que eu sei, aí eu teria os dinheiros dele, mas não teria  muito tempo de serviço, porque ele nem conversa com o porteiro lá do trabalho, nem com o faxineiro e com a moça da cozinha. Aí eu sempre converso porque sou simpático e sei de conversar as coisas deles, e o patrão deve gostar muito muito de mim por isso e não vai me mandar embora tão cedo, mas bem que podia aumentar meu salário, ein patrão, porque o aluguel vai aumentar e meu pai tem sobrenome em português mesmo, só que não posso provar porque não tenho na certidão, mas ele mesmo fala que é meu pai e me deu uma bicicleta quando fiz dez anos.  Dá o aumento aí, dá, patrão. Considera a simpatia.