-Não me venha com essa,
Neide. Sabe muito bem que deve ter sim algo em especial nesse menino. Onde já
se viu nascer no dia do aniversário do pai? É muito orgulho. Me enche de
orgulho esse muleque. Dentro de tantos dias do ano, 365 não é Neide? Dentro de
tantos dias e ele escolhe justamente o meu pra nascer. E depois você ainda não
quer que ele seja meu preferido?
-Seu imbecil! Você não pode
ter isso de filho preferido! Fica aí mimando o Ricardinho e ele tá crescendo um
idiota completo e ainda vai conseguir a façanha, Alberto, vai conseguir a
façanha de ser um homem mais idiota do que você. Você, Alberto, você que é um
idiota completo e todo mundo sabe, mas ó: eu vou me separar mesmo de você, não
é de hoje que falo isso, vou me separar mesmo e você vai ver! Agora filho não,
Alberto. Filho é pra sempre. Não quero que o Ricardinho seja imbecil igual a
você e case com uma mulher boa que vai sofrer igual eu. E o pior é que mulher
assim arranja, Alberto, arranja porque você me arranjou. Eu era tão jovem,
bonita, cheia de vida e ainda me casei com você... e não tem isso de escolher o
dia pra nascer, seu imbecil! É a última vez que te falo e eu vou me separar de
você logo, vou sim, eu vou...
-Ah tá? Agora a culpa é só
minha? Isso, isso. Clap, clap, clap. “Vamos botar a culpa no Alberto”. “Vamos
botar TODA A CULPA nele”. Desde MILNOVECENTOSESETENTAEUM Alberto Augusto
Ferreira levando a culpa de tudo. É impressionante, Neide. O Ricardinho faz de
tudo por um pouco de atenção e você sempre ignorando o pobre do seu próprio
filho. Não foi no futebol semana passada pra ir na casa da sua mãe com você. Não
foi no cinema com a Patrícia porque eu tive que te dar dinheiro pra comprar
suas coisas não sei onde. Ele tentando esquecer a Bianca e nem pode ir no
cinema com outra. E sem contar que, você sabe, largou a Bianca POR SUA CAUSA e
até hoje sofre por ela. Onde já se viu, Neide? Não te pesa a consciência? Largou
aquela bonitinha da Bia por causa de você que ficava cismando que ela parecia
com a Cláudia... E você nunca vai entender isso, não é, Neide? Agora o coitado
do Ricardinho perdeu um mulherão daquele, linda, linda. Olhos verdes, loirinha,
educada, de família, o bairro todo queria. E ele consegue pegar ela e ficar com
ela e gostar dela e tudo com ela, você sabe que ele fez tudo. Mas nem tudo é
suficiente, não é? Agora ele vai ser obrigado a acabar casando com outra que
não gosta. E larga de bobeira, Neide. Sabe que isso não tem nada a ver com a
Cláudia. Foi só um lance de juventude nada mais. Passou, passou. Eu nem penso
mais nela e no que seria se tivesse ficado com ela. Bonita ela tá sim, Neide,
bonita ela tá. Tá conservada? Tá, é verdade. Mas vai falar que agora a culpa é
minha? Bonita ela sempre foi e se ela se conserva é bom sinal, não é? Sinal que
tá bem de saúde. Deveria servir de exemplo, eu não tenho culpa, tenho? E você
sabe que nem era pro Ricardinho nascer dia dois. Ele mesmo se adiantou para
nascer no dia do pai. Ou você não lembra disso, Neide? A própria mãe não lembra
do dia do nascimento do filho. Típico seu, Neide. Você que todo ano faz tanta
festa e tanto fuê pro aniversário do Tiago e da Laís. Mas pro filho do meio,
sobra alguma coisa? Nada... e ainda reclama dele ser meu preferido.
-De novo a vaca da Cláudia,
Alberto? De novo? E o respeito? Não tem mais mesmo? Acabou o pouco que tinha?
Então vai lá, garanhão. Vai lá e fica com ela. Vamos ver se ela vai te querer.
Aquela vaca velha gorda enrugada cheia de maquiagem com plástica mal feita
piranha baranga mal vestida. Vai lá então, já que acha ela tão bonita e vamos
ver então se ela vai te querer. Você todo barrigudo aí fica se achando jovem. “Nossa,
olha que velho maneiro, gente... ele usa as roupas do filho de dezenove anos”.
Ridículo, Alberto, ridículo. Fica aí usando as roupas do Ricardinho e achando
que tá jovem. Cria tipo de gente, velho ridículo. Tanta roupa boa de homem
sério e fica aí usando camisetinha de marca dando uma de jovem. E faço sim a
festa que quiser no aniversário do Tiago e da Laís. Tenho que fazer festa
porque você não dá um presente bom pros dois, é só Ricardo, Ricardo, Ricardo.
Ricardinho no céu. Óh, Santo Ricardinho...
-Eu uso a roupa que eu
quiser, viu Neide? Uso mesmo porque fica bom em mim e além do mais, foi com o
dinheiro de quem que ele comprou? Com meu dinheiro. Aliás, uso só umas duas ou
três camisetas, as outras duas foi ELE que me deu de aniversário. O Tiago e a
Laís não, só servem pra me dar chinelo e lenço de aniversário. Tá certo, eu
gosto, gosto deles. Reconheço o esforço deles pra me agradar e essas coisas,
mas com o Ricardinho é diferente. Ele me entende. O único dessa casa que me
entende e sabe do que eu gosto. Vai dizer que não tem uma ligação? E você aí,
toda enciumada é porque sabe que eu estou novo e essas roupas ficam boas em mim
e você não pode usar roupa nenhuma da Laís porque engordou e envelheceu. Fica,
fica com os dois. Dois filhos só pra você e eu só quero um. Do que ainda
reclama? Eu nunca fui o filho preferido do meu pai e me dei bem na vida!
-Se deu bem na vida,
Alberto? Em que vida? Porque se for na vida de marido e de pai, sinto te dizer
mas você é um fracasso!
Alberto não respondeu mais. Suspirou
fundo. Foi até a geladeira e pegou uma cerveja. Virou no corredor e foi rumo ao
quarto de Ricardinho. Ouviu Neide gritar: Ai dela se ela visse o marido dando
um gole de cerveja pra um filho dela debaixo do seu próprio teto. Alberto
também não respondeu. Também não achou Ricardinho no quarto. Apenas a bagunça
de seu quarto. Em cima da cama, uma camiseta amassada. Pegou, amassou, sentiu o
cem por cento de algodão. Se perguntava se essa era a daquela marca que Ricardinho
tanto pediu para ele no mês anterior. Não, não era. Acabou se lembrando do dia
que Ricardinho saiu com Bianca. Ele estava com essa camiseta da gola bonita.
Camiseta cheirosa. Alberto cheirou a camiseta. Que cheiro bom. Era de
Ricardinho? Era de Bianca? Por que não podia ser de Alberto?
Tirou sua camiseta velha e
de velho. E com ela enxugou suas lágrimas, enxugou seu suor. Vestiu a camiseta
de Ricardinho. Se olhou no espelho. Ficou bem. Ficava bem com aquela camiseta,
com aquele cheiro. Aquele cheiro haveria de ser dele. Murchou a barriga,
endireitou sua coluna. Colocou a mão dentro do bolso da camiseta. Achou um papel
amassado. Bianca: Rua Rio de Janeiro, 455.
Pegou o carro. Não respondeu
Neide dizendo aonde ia.
Neide se preocupou. Será que
voltaria tarde? Será que daria tempo de ligar para o Lucas, amigo do
Ricardinho? Era melhor não arriscar. Amanhã Alberto iria pro trabalho. Era
melhor não arriscar. Mas Neide estava se sentindo tão sexy com a calcinha da
Laís...