terça-feira, 27 de julho de 2010

quarta-feira-noite

aceito
deito

espero a saudade
que salga os feitos
que salta em peitos
que salva dos leitos
quiçá
esperança

terça-feira, 13 de julho de 2010

A Merda da Vida

Há um tempo atrás eu pisei na merda. Não era uma merda comum como a de cachorro, cavalo ou de pombo, era a merda da vida. A merda da vida é muito mais suja e muito mais fedida do que as merdas comuns, mas é mais comum do que se imagina. A merda da vida se encontra nas ruas, nas casas, nos amigos, na família, no trabalho e em muitos lugares. São tantos lugares que é impossível dizer ao certo onde foi que eu pisei. Mas com certeza eu pisei e foi uma pisada muito bem pisada. Hoje eu sinto sua textura, seus dejetos, seus vermes, suas sobras e o seu insuportável fedor agarrado em meu pé. E confesso, isso já não me causa tanto nojo.

A merda da vida também tem suas utilidades para quem sabe usar e acabou se tornou um excelente instrumento de observação social para mim. Vivo observando as pessoas que me observam. As pessoas que não me observavam antes de eu ter pisado na merda. Olhar para o cara que pisou na merda parece ser engraçado. Parece dar as pessoas um conforto egoísta de saber que existem pessoas realmente mais atoladas que elas.


Existem pessoas sensíveis ao odor da merda da vida. Aquelas que de longe percebem o andar típico de quem pisou na merda. Seja pelo simples fato de já terem pisado ou pela enorme repugnância a quem já tenha pisado. Existem, ainda que em pequena quantidade, aquelas que procuram te ajudar: "Cara, acho que você pisou na merda. Gostaria de ajuda?". E eu sempre aceito ajudas, ainda que pouco possam melhorar a minha situação. Mas a maioria apenas ri, desvia o trajeto ou simplesmente fingem que nada aconteceu. E pensam: "Ainda bem que nunca piso em merdas".


Eu pisei na merda da vida, eu sei. Mas não saio por aí dizendo a todos que eu pisei. A merda da vida é como uma bola de neve. Quando você assume a sua merda da vida, a tendência é ela crescer mais e mais, até ela te dominar por completo. Hoje em dia saio por aí, com meus pés atolados na merda da vida e as pessoas me observam. Mas também as observo, implantando a cruel dúvida que persegue os mais inseguros: "Que terrível cheiro de merda! Será que foi mesmo esse cara que pisou, ou será que foi eu?". A partir disso, existem pessoas que não olham para a própria sola do pé devido ao medo de confirmar suas terríveis expectativas. Tem outros que lançam um olhar rápido e disfarçado, suficiente apenas para não percebem uma pequena parte de merda agarrada no pé. Alguns apenas escrevem.

Um dia eu espero me lavar e me livrar de toda essa merda. Mas nunca pretendo esquecer por onde foi que andei e por quais merdas eu pisei. Enquanto isso sigo agradecendo todos os dias, ainda que com certa ironia, pela a merda da vida que tenho.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Lying to me


Eu disse a verdade para ela:

Eu nunca te amei. Eu nunca amei ninguém. Não vai ser difícil te esquecer. Só preciso arranjar uma outra qualquer. Depois vou enjoar dela e então a dispensarei. É assim que sigo minha vida há anos e é assim que vai continuar sendo. É, essa é a verdade. Desculpe, mas acho melhor a gente terminar.

Eu disse a verdade para ela:

Eu apenas te amei. Eu já amei muitas. Você é apenas mais uma. Não vai ser difícil te superar e achar outra pra ser amada. Posso amar outra mais do que amei você. Ou posso amar menos, não importa. Eu posso amar outra vez. Mas não te amo mais. É, essa é a verdade. Desculpe, mas acho melhor a gente terminar.

Enquanto ela chorava e implorava por uma nova chance eu continuava demonstrando toda minha obstinação.

Você está precisando ouvir umas verdades, gritei com ela e continuei a desabafar.

Prossegui criando algumas verdades. Algumas mais verdadeiras, outras menos. Algumas poderão lhe fazer bem algum dia. Outras (a maioria) apenas alimentavam meu ego. Verdadeiramente alimentavam meu ego.

Eu não sei o que quero de verdade.
Não sei o que quero da verdade.
Não sou mais criança, tenho menos verdade em meu coração.
Agora sou jovem e a dúvida é minha verdade maior.

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N. do T.: Tradução da imagem: Quando eu era pequeno, queria passar meus dias n'um cubículo de 2m², sendo criticado por pessoas que odeiam as suas vidas, e agora meu sonho finalmente se tornou verdade.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Fique com o troco

"Desgraçado, filho da puta!"

Essas foram as últimas palavras que ouvi daquele cara. Foram as últimas palavras que ouvi antes de levar aquele murro um tanto que cinematográfico. Logo eu, que nunca havia apanhado nem de meu próprio pai, mas que provavelmente arrebentaria a cara dele se o visse outra vez. Meu adversário, porém, também não demonstrava tanta intimidade com agressões, embora a motivação possa ter dado a ele uma força incomum. Em um gesto que parecia uma estranha mistura de improvisação e predeterminação, ele conseguiu me acertar em cheio. Ainda no ímpeto de ter me acertado, ele pareceu ter se empolgado e esboçou reações de quem continuaria com o serviço. Mas ao perceber o sangue escorrendo por meu nariz, parece ter se contido para se dar ao luxo de pensar um pouco mais antes de continuar. Ele não sabia bater, mas havia conseguido. Ele não queria matar, mas também poderia ter conseguido, então achou melhor parar.
Naquele bar em que estávamos ninguém parecia ter se importado muito com a cena tão incomum para mim. Após ter levado minha mão ao meu nariz e ter percebido minha pequena e primeira hemorragia, olhava para todos bêbados e perdedores daquela bodega que não esboçavam nenhuma reação. Aquela cena parecia ser bem familiar e pouco importante para eles.
Ainda tentando achar conforto com uma simples reciprocidade de olhar, encontro o dono do bar. Ele havia saído do balcão que ficava nos fundos do bar há alguns minutos antes para me servir uma cerveja. Mas ele estava parado atrás daquele balcão de meia altura e fazia questão de esconder o que tinha em mãos. Esse sim provou estar bem acustumado com esses acontecimentos e agia de um modo que parecia muito bem ensaiado. Pra minha sorte, meu agressor estava tão assustado e confuso quanto eu, e também havia percebido a atitude do dono do bar. Bufando palavras que não consegui entender, mas que se situavam entre o medo e a realização, o inimigo caminhou até o balcão, onde deixou uma nota de cinco reais para pagar o maço de cigarros que havia comprado. "Fique com o troco", ele disse. Mas o dono do bar não esboçou nenhuma resposta, dando a entender que não voltaria o troco de nenhuma maneira.
Finalmente suspiro mais tranquilamente ao vê-lo sair por aquela porta. Não tinha nenhuma certeza de que não voltaria a apanhar, mas ao perceber a mesma insegurança minha no meu adversário, comecei a pensar que também poderia batê-lo caso isso voltasse a acontecer.
Levantei-me depois daqueles longos minutos que havia ficado ali, caído no chão como o cara mais covarde do mundo. Ergo a cabeça a fim de tentar, em vão, parar o sangue que continuava a escorrer. Aquilo havia me dado um certo ar de arrogância que não condizia com meu nariz deslocado. Aí então pude constatar que os bêbados perdedores que ali estavam, também sabiam falar português.
"Ce deu foi sorte, seu verme. Se cruzasse no meu caminho ia ser bem pior". Ainda aproveitando a minha "maré de sorte", continuei caminhando em linha reta e fazendo questão de não cruzar o caminho de ninguém. Enquanto isso, enfiei a mão no bolso para tirar uma nota de dez reais que acabou se sujando com minhas mãos ensanguentadas.
"Pelas cervejas", eu disse ao dono do bar imóvel atrás do balcão. Ao contrário do meu esmurrador, fiquei ali parado do outro lado do balcão esperando meu troco. Vejo então o homem pegar a mesma nota de cinco reais que havia recebido minutos antes. "Pensando bem, acho melhor que você fique com o troco. E me desculpe pelo incômodo. Desculpe mesmo."
"Nunca mais volte aqui, desgraçado", respondeu o dono do bar guardando no bolso mais uma vez aquela nota de cinco reais.


Depois de uma noite tão agitada, resolvi ligar para Fernanda. Além de ser enfermeira, ela era a única que estaria acordada naquele horário e teria disposição para tratar do meu ferimento.
"Amor, ainda bem que você ligou. Meu marido descobriu tudo, estamos perdidos. Ele saiu daqui muito nervoso, com uma arma carregada e falou que só volta depois que te dar o troco".

Como eu tive uma noite de sorte, pensei.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Um Encontro de Esquina

Então ela desviou o olhar que mecanicamente havia se dirigido a mim. Então eu percebi que além do nosso relacionamento, muitos hábitos terminariam. Seja por vontades próprias ou por imposições mecânicas, nossas vidas haviam mudado e continuariam mudando cada vez mais.
Só eu sabia o quão difícil foi aceitar as palavras que ela havia me dito. Mas mal eu sabia o quanto poder respondê-la no mesmo idioma significava pra mim. Agora eu estava ali, parado naquela esquina sem conseguir retribuir o mesmo olhar que havia recebido. Minha dor parecia ter perdido o caminho, o caminho da porta dos fundos, que sempre usava para escapar. A dor estava ali, perdida em mim e gritando em vão, apenas ressoando no vazio que tomava conta de mim. E eu estava ali, disfônico e inerte, parado naquela esquina tão movimentada onde ninguém parecia se importar com ninguém.
Atravessei a rua e sentei numa cadeira de um boteco, ainda sem saber qual direção tomar. Alguns minutos depois, o garçom chegou com uma garrafa de cerveja, o cigarro e o cinzeiro que havia pedido. Mas meus 'analgésicos' ficaram ali parados na mesa por longos minutos, sem sequer receberem um toque de minhas mãos que continuavam a tremer. Meu olhar, que se fixava ao chão, se distraiu por alguns segundos com a presença de um cachorro de rua que passava por ali. O cão, este sim, olhava fixamente para mim, sem tentar fingir ou esconder nada. Me olhava com um olhar de piedade, como se me desejasse boas vindas, nessa vida que ele já estava tão habituado.
Levantei-me da cadeira, pegando apenas o cigarro e deixando na mesa a garrafa de cerveja ainda cheia e com uma nota de dez reais embaixo dela. "Fique com o troco", eu disse em um tom tão baixo e depressivo que duvido que o garçom tivesse me escutado. Caminhei em direção contrária àquela esquina, mas ainda sem saber ao certo aonde ir.
Haviam tantas esquinas naquele bairro, naquela cidade. Por que deveríamos nos encontrar justamente ali, justamente naquele horário?
Não me conformava nem um pouco saber que ainda existiam semelhanças entre nós. De certo, nossas esquinas em comuns eram muitas. Sempre caminhávamos por aquela rua de mãos dadas e planejando o futuro, sem reparar em nenhum cachorro abandonado ou nos bêbados que se abandonavam por ali. Mas pensar no que o tempo nos aguarda pode ser a maior perda de tempo...
Eu já não me lembrava mais como era pensar apenas como um. Era tão intensa a atividade de me desdobrar em dois que já não via graça em seguir sozinho, completamente dividido, mas apenas compartilhado apenas comigo mesmo. Mas esta era minha condição e eu deveria aceitá-la. Embora o acaso insistisse em nos juntar, os olhares sempre serão os responsáveis por guiar nossos caminhos.

No final das contas, foi tudo apenas um encontro de uma esquina. Uma rua que se encontra a outra e assim acabam se tornando mais importantes, completas e unidas por simples acaso. Mas todas seguem o próprio caminho, fazendo esquinas com outras ou apenas se tornando um abrigo para cães.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Haicais

bem longe daqui
choveu no inverno
que te conheci

.

beija-flor sobe no ar
mas o ar da graça
resolveu apear

.

primavera
poesia na pétala
se perpetua

.

o ipê se situa
roxeando
o verde que atenua

domingo, 4 de julho de 2010

Soneto de Um Incompleto

Ao tempo, que és tão generoso contigo
Aditando-a às belezas inofensivas,
Vai propondo-a às fraquezas mais vivas
Meu amor contendo-me n'um jazigo.

Em meu peito, um enorme desabrigo
Saúda minhas lembranças primitivas
Sufocando-me naquilo que te privas,
Onde sem ter alternativas, te bendigo:

Volte! Aos braços ainda te pertencem
E recomponha-me ao que nos espera,
A infinidade de uma alegria.

A angústia que aos poucos incinera
Os sonhos nascidos da mais pura agonia
De razões e emoções que se dispensem.

Além do chão

Ele encontrava-se mais uma vez em um esgoto de uma cidade muito antiga e pequena. Embora ainda fosse uma cidade desconhecida aos seus olhos e principalmente estranha ao seu olfato, ele sabia muito bem como agir caso estivesse lá. Cada rato ou cada excremento que se passasse aos seus pés já não lhe provocavam tanta estranheza. Cada ruído lhe era familiar, mesmo assim, até o som de sua respiração o incomodava. Forçava sua memória, mas não conseguia se lembrar como havia chegado ali. Apenas se lembrava da última vez que havia acordado em um esgoto, mas não como havia conseguido sair de lá. Entretanto, o que mais o feria era saber que havia quebrado sua própria promessa: a de não estar em um lugar como esse novamente.


Ele também não se lembrava de várias coisas, como a última vez que se meteu em uma briga com alguém mais forte do que ele. Nem da última vez que deu um beijo em sua esposa, lhe desejando bom dia. E ainda se confundia ao tentar decorar o número do telefone de seu único amigo. Mas a esta hora, a este lugar, isso continuaria não tendo nenhuma importância.

Estar ali no esgoto, era como estar em qualquer lugar em sua vida. Como se estivesse no trabalho ou em casa assistindo o seu futebol. Nada parecia ter um motivo especial. Ele apenas estava lá por estar. É claro, ele não fazia tanta questão de estar trabalhando sentado no escritório ouvindo ofensas do seu chefe, ou de estar sentado em sua poltrona, vendo seu futebol e ofendendo sua mulher. A única questão que fazia era de não estar em um esgoto novamente. Mas ele estava.

E pelo vazio subterrâneo ele continuou caminhando, meio sem rumo, meio sem medo. Sua roupa estava irreconhecível de tanta sujeira, mas não se importava, já que não se lembrava qual roupa havia vestido de manhã. Com um esforço mínimo, talvez se lembrasse que ainda vestia sua roupa de trabalho. Mas o trabalho o lembraria de seu chefe, e como ele desejaria que o bastardo estivesse ali em seu lugar.

Enquanto isso, em sua casa, sua mulher olhava o relógio a cada cinco minutos. Já se passavam das nove da noite e a esperança da mulher aos poucos ia se acabando. 'Ele voltou com a amante', ela pensava. Ele não iria dormir em casa hoje e no fundo isso lhe causava um certo alívio. Chegou a tirar o telefone do gancho para ligar para seu ex-namorado, um homem seis anos mais novo que sempre lhe fazia 'companhia' nessas horas tão difíceis. Mas seu marido não havia pagado a conta telefônica por falta de dinheiro, ou seja, mas uma prova de que havia voltado a gastar com amantes. Por fim, ela resolve apenas passar pano no chão e trocar alguns móveis de lugar antes de dormir.


Ele não usava drogas há mais de dez anos e pouco bebia além de sua cervejinha de fim de semana. Mas estava lá, no esgoto de sua cidade. Não era alucinação. E como diria, dormia muito pouco para ter tempo de sonhar. Era real, ele estava no esgoto mais uma vez.

"Maaarcos, Maaarcos!"
Ouviu alguém o chamando, como se não estivesse em um esgoto.
"Maaarcos, Maaarcos!"
Ouviu alguém o chamando, como se os ratos falassem.

Ele precisava de ajuda, de qualquer ajuda. Fosse ela de seu chefe, de sua esposa ou dos ratos que passavam assustados pelo chão. Sentia mesmo uma certa dificuldade em ajudar outras pessoas ou em oferecer qualquer coisa que lembrasse amor. Mas não era orgulhoso, aceitava tudo que pudesse lhe oferecer vantagem.

"Maaarcos, Maaarcos!"

Já era o suficiente. Havia mesmo alguém ali que estava tentando o ajudar.
Embora estivesse em um corredor enorme que beirava o infinito, ele simplesmente decidiu correr desesperadamente contra a ninhada de ratos que quase o atropelava.

"Estou aqui, estou aqui!"
Gritava freneticamente, embora não soubesse ao certo se realmente haveria alguém oferencendo ajuda.

Aos poucos os gritos iam perdendo a força. Tanto os que clamavam por Marcos, quanto os que clamavam por socorro se juntavam aos ruídos dos ratos, até finalmente serem silenciados por uma angústia seca que corta a garganta e nos faz conformar com a realidade.

"Não tenha medo de cair, do chão você não passa!"
Marcos que sempre seguiu essas sabias palavras tantas vezes repetidas por seu avô, começara a repensar sobre o que havia se tornado e sobre o futuro que te esperava.

Havia passado do chão, estava no esgoto. Estava no inferno, sem se lembrar de qual purgatório teria passado pra chegar até ali.