quarta-feira, 7 de julho de 2010

Um Encontro de Esquina

Então ela desviou o olhar que mecanicamente havia se dirigido a mim. Então eu percebi que além do nosso relacionamento, muitos hábitos terminariam. Seja por vontades próprias ou por imposições mecânicas, nossas vidas haviam mudado e continuariam mudando cada vez mais.
Só eu sabia o quão difícil foi aceitar as palavras que ela havia me dito. Mas mal eu sabia o quanto poder respondê-la no mesmo idioma significava pra mim. Agora eu estava ali, parado naquela esquina sem conseguir retribuir o mesmo olhar que havia recebido. Minha dor parecia ter perdido o caminho, o caminho da porta dos fundos, que sempre usava para escapar. A dor estava ali, perdida em mim e gritando em vão, apenas ressoando no vazio que tomava conta de mim. E eu estava ali, disfônico e inerte, parado naquela esquina tão movimentada onde ninguém parecia se importar com ninguém.
Atravessei a rua e sentei numa cadeira de um boteco, ainda sem saber qual direção tomar. Alguns minutos depois, o garçom chegou com uma garrafa de cerveja, o cigarro e o cinzeiro que havia pedido. Mas meus 'analgésicos' ficaram ali parados na mesa por longos minutos, sem sequer receberem um toque de minhas mãos que continuavam a tremer. Meu olhar, que se fixava ao chão, se distraiu por alguns segundos com a presença de um cachorro de rua que passava por ali. O cão, este sim, olhava fixamente para mim, sem tentar fingir ou esconder nada. Me olhava com um olhar de piedade, como se me desejasse boas vindas, nessa vida que ele já estava tão habituado.
Levantei-me da cadeira, pegando apenas o cigarro e deixando na mesa a garrafa de cerveja ainda cheia e com uma nota de dez reais embaixo dela. "Fique com o troco", eu disse em um tom tão baixo e depressivo que duvido que o garçom tivesse me escutado. Caminhei em direção contrária àquela esquina, mas ainda sem saber ao certo aonde ir.
Haviam tantas esquinas naquele bairro, naquela cidade. Por que deveríamos nos encontrar justamente ali, justamente naquele horário?
Não me conformava nem um pouco saber que ainda existiam semelhanças entre nós. De certo, nossas esquinas em comuns eram muitas. Sempre caminhávamos por aquela rua de mãos dadas e planejando o futuro, sem reparar em nenhum cachorro abandonado ou nos bêbados que se abandonavam por ali. Mas pensar no que o tempo nos aguarda pode ser a maior perda de tempo...
Eu já não me lembrava mais como era pensar apenas como um. Era tão intensa a atividade de me desdobrar em dois que já não via graça em seguir sozinho, completamente dividido, mas apenas compartilhado apenas comigo mesmo. Mas esta era minha condição e eu deveria aceitá-la. Embora o acaso insistisse em nos juntar, os olhares sempre serão os responsáveis por guiar nossos caminhos.

No final das contas, foi tudo apenas um encontro de uma esquina. Uma rua que se encontra a outra e assim acabam se tornando mais importantes, completas e unidas por simples acaso. Mas todas seguem o próprio caminho, fazendo esquinas com outras ou apenas se tornando um abrigo para cães.

Nenhum comentário:

Postar um comentário