quarta-feira, 29 de junho de 2011

Gráfica Itaúna

Eu conhecia pouco sobre a cidade vizinha, Itaúna. Sabia que por lá se faziam calendários para abastecer minha querida princesinha do Oeste, Divinópolis. Todo ano era só começar novembro pro Zé Afonso, um vizinho aqui do bairro, começar a distribuir calendários do ano seguinte pra todo mundo.

–Oia gente, toma aqui uns calendários procês, é do meu sobrinho lá de Itaúna que tem uma gráfica e mandou pra mim distribuir, porque tenho muitos amigos e sou bão pra divulgar.

Todo ano era a mesma história, mas ele insistia em contar e eu achava um ato de muita educação fingir que não conhecia o que ele tava falando.

-Ah é, Zé? Ele tem uma gráfica?

-Tem sim, uai. Tá duvidando? E tá rachando de ganhar dinheiro lá, porque lá que é lugar bão pra ficar rico. Tá com um carrão zero quilômetro e come as muié que ele quiser. Aqui num tá com nada não. Se eu fosse igual ocês que tão novo eu ia pra lá fazer a vida.

O Zé tinha um complexo de inferioridade diferente só porque era inferior. Fazia questão de falar o quanto era humilde, o quanto era esperto e que só não tinha ficado rico porque não ligava pra essas coisas quando era mais novo. Falava também sobre o quanto a família dele e os amigos de infância tinham ficado bem sucedidos.

Nunca cheguei a ver ninguém da família dele. Os amigos dele, ou ex-amigos, via como um flash atrás de um vidro dianteiro de algum carro. Todo carrão que passava na rua buzinava pra ele e gritava: “E aí Zé!”. Então o Zé gritava de volta: “E aí viadão!”. E então o Zé parava um pouco de sua vida parada para me contar todas as histórias podres de juventude dos caras que passavam com carrão. Segundos, buzinadas e um súbito grito de cumprimento eram suficientes para o Zé mergulhar em suas memórias e ficar ali me contando por longos minutos sobre a vida alheia.

-...e agora esse viado aí tá podre de rico. Tá morando lá no Bom Pastor e todo ano troca de carro.

E todo ano seguinte chegava fevereiro e o Zé ainda tava com um monte de calendário da Gráfica Itaúna. Aí ele começava a distribuir mais uma vez pra todo mundo.

-Toma aqui mais uns calendários pra você. Aproveita e leva uns pra sua vó e outro pra sua tia. Toma, se quiser leva esses aqui pra sua professora que deve precisar muito de gráfica.

(Acho que o Zé nem sabia direito pra que servia uma gráfica, só imaginava que era coisa de gente importante, estudada e subida na vida).

-Uai Zé, Brigado. Mas cê já me deu um monte ano passado. Se quiser guardar esses aí pra dar pro resto dos seus amigos, num incomodo não.

-Ahh, pode levar essas desgraças aí e faz o que quiser com essa porra. Se quiser queimar tudo, pode queimar, nem ligo. Só quero dar um fim nesses trem. Todo ano o viado do meu sobrinho só sabe me dar esse monte de calendário. Nem pra passar aqui em casa e me dar ao menos um frango de natal. É assim, tá vendo? A gente faz tudo pra família e pros amigos e quando eles sobem na vida esquecem que você existe.

-Tá certo Zé, tá certo. Esse povo é assim mesmo. Mas pode me dar um pouco desses calendários aí que eu sei de um monte de gente que tá precisando. Afinal, o ano só começa depois do Carnaval, num é mesmo?

Todo começo de ano eu percebia que os amigos do Zé nem eram assim mais tão amigos e que ele nem tinha a família tão subida na vida. Mas ele tinha um dom danado de me fazer pensar nas coisas.

2 comentários:

  1. Acho interessante o casamento: temas diferentes com escrita ala crônica. Um casal perfeito. Gosto e gostei, heheheh

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