terça-feira, 22 de novembro de 2011

Poema de Corpo Presente

a notícia correu rápido
rápido como poesia ruim
correu rápido nas casas das velhas
e nas praças dos velhos

mais uma morte no bairro?
é luxo demais!
quanto luxo
essa vaidade de sobreviver!
não se preocupe,
morte.
esses te esperam
-inadmissivelmente-
por ali
pelo menos você
há de chegar.

a à toa do 113
entre um angu
e uma couve refogada
sai lá fora
onde não há pessoas enlatadas
pescadas
ensardinhadas
nos carros enfileirados
nas cidades grandes
da sua tevê.
sai lá fora,
se gaba
e
persiste:
meu mais novo me disse
mas nem precisava,
eu ainda lembro
deles, moleques,
brincando descalço
cutucando sapo
empinando papagaio
chutando bola
um dia então
debaixo duma trave de bambus
um caiu na sua cabeça
sangrou
sangrou
na certa o retardadou
lavou e quis continuar
com a bola
pra cá, pra lá.
coisa de muleque.
e a mãe deixou
se fosse filho meu...
não tinha ficado desmiolado
por uma trave de bambu
na sua cabeça
depois do escanteio.
coitado
culpa mais da mãe
que do bambu
coitado
desmiolado

o seu Rubem
padeiro
que tinha padaria
se inculpava
deveria ter dado um emprego pra ele
ó ceus
deveria
começava como menino da bicicleta
fazendo cobrança
correndo atrás
gostava de correr mesmo quando menino
virava caixa
depois de aprender de matemática
e de trabalho
e de mexer com dinheiro
e por que não?
quem sabe um dia um padeiro
que faria pão

de remorso
também vivia Carla
por que não dei pra ele
?
Carla
de tanta beleza e mitideza
Deus a castigou
tanto marrou, marrou
que quando deu
emprenhou.
ficou gorda, feia
(chata já era)
e com filho pra criar.
nem casou.
o velhaco
que a descabaçou
sumiu e
nem sobrenome deixou.
bem feito.
por que não dei pra ele?
se penitenciava ela
por que não dei pra ele
nem pro marquinho
nem pro pedro
nem pro celso
paulinho
renato
luís
nem pra ninguém?

ele havia de ser poeta mesmo
parem com isso
todos vocês
dizia o amigo
que por ali mesmo ficou
no bairro, na cidade
na mesma casa
na mesma amizade
na mesma incompatibilidade
mas na mesma amizade.
ele havia de ser poeta mesmo
era isso
ou enviadar
vocês queriam ele enviadado?

e o corpo chegou
corpo
nasceu numa folha de caderno
linhas normais
papel branco, retangular, etc
as margens não foram respeitadas
foram rabiscadas
asteriscadas
foda-se as margens.
virou um livro
lindo, pomposo
editoriado
conceitual
ou, como diriam,
eviadado.

eis o poema de corpo presente
onde há tudo
que resultou
ou restou.
poema de corpo presente
aceita-se vigílias
coroas de flores
condolências
saudades
choros contidos,
espalhafatosos,
falsos, por que não?
só não se despeçam
do que não tem fim.



3 comentários:

  1. Poesia cotidiana, eis seu estilo, heheheh
    gosto qdo vc escreve, vc demora postar...

    a propósito: o que é que não tem fim?

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  2. Muito bom, Igor. É um conto "poematizado" muito verossimilhante.
    Embora o tema seja outro lembrei de "Faroeste Caboclo" do grande poeta Renato Russo.

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  3. ...reli

    Lembrei de:
    "O poeta não morreu foi ao inferno e voltou"
    e
    "Vês! Ninguém assistiu ao formidável
    Enterro de tua última quimera..."
    e
    de vc!!!

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