domingo, 10 de janeiro de 2010

Quando plantei uma muda

Férias de verão me fazem lembrar de quando plantei uma muda.


Definitivamente não era a melhor coisa para se fazer nas férias, mas os conselhos da sociedade sobre a plantação de mudas pareciam ser motivadores.


Campanhas natalinas, ONG's, assistentes sociais, comerciais de TV, indicações de amigos e blogs legais da internet que relatavam experiências bem sucedidas...


Resolvi que pelo menos uma vez na vida eu deveria tentar. Deveria inovar, superar os preconceitos e a minha hipocrisia para com a sociedade. Resolvi plantar.





No começo tudo parecia dar certo. Eu estava feliz com meu trabalho e pensava que seria realmente recompensado se continuasse trabalhando sério. Alimentava-a do jeito que mandava os mais caros manuais de agronomia que consegui comprar. Aguava-a de um modo que nem mesmo as mais crueis águas de verão pensaram em fazer com o pobre litoral brasileiro. Sentia que ali poderia se estabelecer uma verdadeira relação de carinho, afeto e reciprocidade, algo que se assimilava ao amor cedido por famílias de classe média às crianças negras adotadas.




E foi assim, mesmo com o passar das minhas férias, que continuei a fazer meu serviço. Sentia que era um fardo pesado e que apenas uns poucos escolhidos por Deus poderiam carregar. E foi assim, mesmo com meu passado insensível atormentando o porvir, que lutei contra meus defeitos e continuei cultivando minha linda muda. Mal podia esperar pela tal primavera...



Mas o outono acabou chegando primeiro. E do jeito que os cientistas avisaram: apenas no hemisfério sul.


O outono testava meus conceitos, preconceitos e paciência. De repente eu parecia estar em um interminável filme de terror. O homicídio doloso parecia ser inevitável. Quantas vezes pensei em injeção letal, envenenamento e até em métodos menos ortodoxos...


Mas eu precisava ser forte para aceitar continuar. Meus planos mudaram completamente e... PORRA, ALÉM DE MUDA, ERA SURDA, CEGA E VERDE!?!?


Com certeza a sociedade não me advertiu sobre isso. Sempre achei que ela seria apenas muda, e que esse seria meu único desafio. Mas a comunicação se tornava cada vez mais difícil e aquela cor diferente da minha incomodava todos olhares. Seria culpa do maldito outono? Da maldita sociedade? Não. Era hora de me libertar da minha covardia e aceitar o meu destino.



Desde então sou vegetariano e liberto a humanidade desse mal maior com meus próprios dentes.


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