domingo, 7 de novembro de 2010

Por que o Roberto mora no Bonfim?

Roberto era um pacato morador de uma pequena cidade no interior de Minas. Quer dizer, São João era considerada pequena para maioria das pessoas, exceto por Roberto, que morava no alto do Bonfim e tinha um emprego no bairro das Fábricas. Roberto não entendia porque morava tão longe de seu trabalho. Conhecia mais gente nas Fábricas do que em qualquer outro lugar do mundo. Conhecia muito sobre todas as pessoas que trabalhavam com ele e muitas vezes desejava não conhecê-las tão intimamente. Conhecia tudo sobre o bairro, as fábricas, as padarias, os botecos, as mulheres que traíam seus maridos. Reconhecia de longe as velhas arquiteturas das casas onde seus companheiros de emprego moravam e o quanto eles gastavam menos por morarem perto do trabalho e pagar o aluguel de casas antigas.

Sobre o Bonfim, ele não sabia muita coisa. Sabia que o dono da casa velha onde ele morava, cobrava o preço do aluguel de uma casa recém-construída num bairro nobre. Uma vez Roberto passou o fim de semana numa cidade bem maior e ficou fascinado ao descobrir que as coisas funcionavam até mesmo dia de sábado. Até as imobiliárias funcionavam aos dias de sábado, então Roberto aproveitou para olhar o preço das casas equivalentes a que ele morava no alto do Bonfim. Descobriu então que pagava por uma garagem, dois quartos a mais (inclusive uma suíte), e um pequeno quintal para cachorro. Mas no Bonfim, não tinha nada disso. Talvez tivesse e Roberto não sabia, já que nunca havia entrado na casa de seus vizinhos.

O pacato morador do Bonfim morria de vontade de reclamar sobre o preço do aluguel que pagava. Sentia vontade de usar esse dinheiro e se mudar logo pro bairro das Fábricas e utilizar o que sobraria para conquistar alguma daquelas mulheres que traíam seus maridos. Pensava muito sobre isso aos sábados de manhã, já que nada na cidade funcionava naquela cidade. A tarde, procurava uma cópia do contrato de aluguel que o mantinha preso ali naquela terra de ninguém. Mas nunca achava o contrato, devido a bagunça de sua casa. Sua casa tinha dois quartos, um banheiro, uma cozinha e uma área minúscula que servia apenas para guardar algumas vassouras e uns rodos. Para um homem, sua bagunça era até conveniente, o problema era o quarto "vazio" onde ele guardava todas as suas coisas, desde as cópias do contrato até as necessidades fisiológicas do seu cachorro.

O problema poderia ser resolvido se Roberto pedisse outra cópia ao dono da casa. Mas Roberto não sabia onde ele morava e só o via uma vez por mês, quando ia lá cobrar o aluguel. Todo dia 5 do mês, o velho ia cobrar o aluguel. Ele tocava a campainha infinitas vezes e ficava esperando Roberto na porta. Seu cachorro ficava desesperado e latia como se estivesse no cio. Enquanto isso, Roberto fingia não estar na casa. Dez minutos depois, o velho desistia e ia embora. Assim, Roberto tinha mais uma semana para arranjar o dinheiro do aluguel. Todo dia12 ou 13, o sobrinho do velho aparecia lá para cobrar o aluguel mais uma vez. Com ele, Roberto não discutia, entregava logo o dinheiro no primeiro soar da campainha. O sobrinho do velho era forte e tinha uma cara de mau, além de uma fama que se estendia até o bairro das Fábricas.

Certo mês, Roberto se cansou daquela vida e resolveu pedir um adiantamento de salário e para sua supresa, seu pedido foi atendido. Ficou em dúvida se devia usá-lo para viajar mais uma vez pra cidade grande, se gastava tentanto conquistar uma mulher adúltera do bairro das Fábricas ou se guardava para pagar o aluguel no dia 5. Ele poderia até ter viajado pra cidade e então procurar por uma mulher adúltera da cidade grande, mas seu cachorro havia adoecido. Acabou gastando o dinheiro com veterinários, remédios e vacinas. Não adiantou nada e seu cachorro acabou morrendo alguns dias depois. Já era dia 5 e Roberto não tinha dinheiro para o aluguel mais uma vez. E o pobre do cachorro não estaria ali para latir como um louco quando o velho fosse cobrar o aluguel. Roberto, no fundo, sabia que sentiria falta disso.

O velho não apareceu no dia 5. Nem no dia 6, 7, 8... e nem o seu sobrinho apareceu nos dias 12 ou 13 para cobrar. Roberto achou tudo muito estranho, mas não achou ruim. Achou melhor guardar o dinheiro até o fim do mês, para não ser pego desprevinido. Acabou gastando o dinheiro outra vez e felizmente ninguém havia ido cobrar o aluguel.

Morando praticamente de graça, Roberto começou a olhar o Bonfim com novos olhos. Aos fins de tarde, sentava na praça onde conversava com os velhinhos, tentando descobrir informações sobre o velho do aluguel. Nenhum velho parecia conhecer ele, mas conheciam umas boas e velhas histórias sobre o Bonfim que faziam questão de contar. Na praça havia também um cachorro abandonado e muito simpático, e após alimentá-lo por alguns dias, Roberto resolveu levá-lo para ser seu novo companheiro de quarto.

Enquanto isso, no bairro das Fábricas, os homens eram só trabalho. As mulheres, só adultério. Roberto começava a achar isso entediante e não via a hora de voltar para o Bonfim para conversar com os velhinhos e alimentar seu cachorro.

Dois meses haviam se passado e ninguém cobrava o aluguel. Roberto já havia conseguido o dinheiro pro dia 5, já tinha dado um nome ao seu cachorro e havia, finalmente, achado a cópia do seu contrato de aluguel, que não fazia nenhuma oposição a sua mudança. Nada mais o prenderia ali se o bairro das Fábricas não tivesse ficado tão incoveniente.

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