sábado, 4 de agosto de 2012

Café com Crime


Foi a própria dor que me curou. Observar, se diluir e então se externar. Só assim é possível não se acalentar. Não saber se está acima ou se existe o abaixo. Afastar-se pra si. Colher das ruas os cânticos da inquietação. Se alimentar de um nós impessoal. Se embriagar de ser cotidiano.

Já avisam as pichações nos muros: só quem é de lá entende.

Valorize seu tato. Há um caminho de evidências. Verão: nada é em vão. Não que seja de valor a arquitetura de um círculo. Não que valha o ingresso. Revolução: as engrenagens ultrapassaram as indústrias. Roda, roda, grande circo vicioso.

Nas sarjetas, nas marquises, um garoto magro com dentes escassos pede esmola para sustentar o vício de viver. O senhor teria um trocadinho pra ajudar? Pobre garoto, comeria mais se tivesse nascido cachorro. Alguns metros a frente, sua mãe o observa. Mulata ossuda e sem expressões, carrega o caçula no colo, pra lá e pra cá. Observe atentamente, moleque. Você herdará a profissão do irmão mais velho.

Cultura é o que se cultiva.

Nossa usina quer nos engravatar. Não faz teatro enclausurado, hermético. Se espalha na cidade como um rio degradado e degradante. Não se espante com o cheiro. É efeito especial. Divina Comédia do purgatório real.

Subam as cortinas. Mais que uma enorme fábrica de panos funcionais. À sua moda, não só se veste bem. Se maquia e se encena à céu aberto. Mal dirigida, faz do viver uma arte; do sobreviver um caos à parte.

 No interior do interior não há beleza.

Semana passada mataram dois. No morro, na pitimba.  Maria Helena não desce mais ao Centro (tá mal falada!). São José já cobra por milagres. Se a Terra é Azul, o céu é negro. Essa é a Nova Holanda: tudo legalizou. Na ponte sobre o Rio, em Niterói, há pedágio (sub)urbano. As encomendas chegam pelo um Porto Novo. Vai lá buscar? Cuidado pra não rodar, vacilão! Patrulha cabocla, herois de si mesmo.

O juízo será nosso final.

Lembro-me do Deus antigo que incendiava cidades quando irado. Para admirar nossa pequenez, somos cúmplices de nós: há fogo de Deus em Divinópolis. Fogo de fumaça branca. Habemus poesia!  Vai saber se foi um cometa ou um anjo de corneta. Homem de fé, só acredito sentindo. Foi aqui mesmo: a flor brotou na linha do trem, no meio de ninguém. Pérola aos poucos.

Entre um café e um crime, carrego como gado caipira marcas de vivência. É para sempre, é evidente: sou daqui. Patente em minha pele está a ambição pré-conformista que torna os divinopolitanos bípedes: ainda vão ouvir falar de mim.

2 comentários:

  1. da sua ausência, leio seu texto mais de uma vez... hehehe

    abraço

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  2. Ficou muito bom, Igor. A linguagem urbana de um contemporâneo, que sabe ler as ruas e os que por elas circulam. Em algumas partes do texto lembrei-me de Marcelino Freire. Fez vários jogos de palavras, construiu uma prosa poética, tornando assim agradável a leitura.
    Se a expressão é uma necessidade, porque não poeticamente?
    Abraço!

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