domingo, 2 de fevereiro de 2014

Dois de Fevereiro

-Não me venha com essa, Neide. Sabe muito bem que deve ter sim algo em especial nesse menino. Onde já se viu nascer no dia do aniversário do pai? É muito orgulho. Me enche de orgulho esse muleque. Dentro de tantos dias do ano, 365 não é Neide? Dentro de tantos dias e ele escolhe justamente o meu pra nascer. E depois você ainda não quer que ele seja meu preferido?

-Seu imbecil! Você não pode ter isso de filho preferido! Fica aí mimando o Ricardinho e ele tá crescendo um idiota completo e ainda vai conseguir a façanha, Alberto, vai conseguir a façanha de ser um homem mais idiota do que você. Você, Alberto, você que é um idiota completo e todo mundo sabe, mas ó: eu vou me separar mesmo de você, não é de hoje que falo isso, vou me separar mesmo e você vai ver! Agora filho não, Alberto. Filho é pra sempre. Não quero que o Ricardinho seja imbecil igual a você e case com uma mulher boa que vai sofrer igual eu. E o pior é que mulher assim arranja, Alberto, arranja porque você me arranjou. Eu era tão jovem, bonita, cheia de vida e ainda me casei com você... e não tem isso de escolher o dia pra nascer, seu imbecil! É a última vez que te falo e eu vou me separar de você logo, vou sim, eu vou...

-Ah tá? Agora a culpa é só minha? Isso, isso. Clap, clap, clap. “Vamos botar a culpa no Alberto”. “Vamos botar TODA A CULPA nele”. Desde MILNOVECENTOSESETENTAEUM Alberto Augusto Ferreira levando a culpa de tudo. É impressionante, Neide. O Ricardinho faz de tudo por um pouco de atenção e você sempre ignorando o pobre do seu próprio filho. Não foi no futebol semana passada pra ir na casa da sua mãe com você. Não foi no cinema com a Patrícia porque eu tive que te dar dinheiro pra comprar suas coisas não sei onde. Ele tentando esquecer a Bianca e nem pode ir no cinema com outra. E sem contar que, você sabe, largou a Bianca POR SUA CAUSA e até hoje sofre por ela. Onde já se viu, Neide? Não te pesa a consciência? Largou aquela bonitinha da Bia por causa de você que ficava cismando que ela parecia com a Cláudia... E você nunca vai entender isso, não é, Neide? Agora o coitado do Ricardinho perdeu um mulherão daquele, linda, linda. Olhos verdes, loirinha, educada, de família, o bairro todo queria. E ele consegue pegar ela e ficar com ela e gostar dela e tudo com ela, você sabe que ele fez tudo. Mas nem tudo é suficiente, não é? Agora ele vai ser obrigado a acabar casando com outra que não gosta. E larga de bobeira, Neide. Sabe que isso não tem nada a ver com a Cláudia. Foi só um lance de juventude nada mais. Passou, passou. Eu nem penso mais nela e no que seria se tivesse ficado com ela. Bonita ela tá sim, Neide, bonita ela tá. Tá conservada? Tá, é verdade. Mas vai falar que agora a culpa é minha? Bonita ela sempre foi e se ela se conserva é bom sinal, não é? Sinal que tá bem de saúde. Deveria servir de exemplo, eu não tenho culpa, tenho? E você sabe que nem era pro Ricardinho nascer dia dois. Ele mesmo se adiantou para nascer no dia do pai. Ou você não lembra disso, Neide? A própria mãe não lembra do dia do nascimento do filho. Típico seu, Neide. Você que todo ano faz tanta festa e tanto fuê pro aniversário do Tiago e da Laís. Mas pro filho do meio, sobra alguma coisa? Nada... e ainda reclama dele ser meu preferido.

-De novo a vaca da Cláudia, Alberto? De novo? E o respeito? Não tem mais mesmo? Acabou o pouco que tinha? Então vai lá, garanhão. Vai lá e fica com ela. Vamos ver se ela vai te querer. Aquela vaca velha gorda enrugada cheia de maquiagem com plástica mal feita piranha baranga mal vestida. Vai lá então, já que acha ela tão bonita e vamos ver então se ela vai te querer. Você todo barrigudo aí fica se achando jovem. “Nossa, olha que velho maneiro, gente... ele usa as roupas do filho de dezenove anos”. Ridículo, Alberto, ridículo. Fica aí usando as roupas do Ricardinho e achando que tá jovem. Cria tipo de gente, velho ridículo. Tanta roupa boa de homem sério e fica aí usando camisetinha de marca dando uma de jovem. E faço sim a festa que quiser no aniversário do Tiago e da Laís. Tenho que fazer festa porque você não dá um presente bom pros dois, é só Ricardo, Ricardo, Ricardo. Ricardinho no céu. Óh, Santo Ricardinho...

-Eu uso a roupa que eu quiser, viu Neide? Uso mesmo porque fica bom em mim e além do mais, foi com o dinheiro de quem que ele comprou? Com meu dinheiro. Aliás, uso só umas duas ou três camisetas, as outras duas foi ELE que me deu de aniversário. O Tiago e a Laís não, só servem pra me dar chinelo e lenço de aniversário. Tá certo, eu gosto, gosto deles. Reconheço o esforço deles pra me agradar e essas coisas, mas com o Ricardinho é diferente. Ele me entende. O único dessa casa que me entende e sabe do que eu gosto. Vai dizer que não tem uma ligação? E você aí, toda enciumada é porque sabe que eu estou novo e essas roupas ficam boas em mim e você não pode usar roupa nenhuma da Laís porque engordou e envelheceu. Fica, fica com os dois. Dois filhos só pra você e eu só quero um. Do que ainda reclama? Eu nunca fui o filho preferido do meu pai e me dei bem na vida!

-Se deu bem na vida, Alberto? Em que vida? Porque se for na vida de marido e de pai, sinto te dizer mas você é um fracasso!

Alberto não respondeu mais. Suspirou fundo. Foi até a geladeira e pegou uma cerveja. Virou no corredor e foi rumo ao quarto de Ricardinho. Ouviu Neide gritar: Ai dela se ela visse o marido dando um gole de cerveja pra um filho dela debaixo do seu próprio teto. Alberto também não respondeu. Também não achou Ricardinho no quarto. Apenas a bagunça de seu quarto. Em cima da cama, uma camiseta amassada. Pegou, amassou, sentiu o cem por cento de algodão. Se perguntava se essa era a daquela marca que Ricardinho tanto pediu para ele no mês anterior. Não, não era. Acabou se lembrando do dia que Ricardinho saiu com Bianca. Ele estava com essa camiseta da gola bonita. Camiseta cheirosa. Alberto cheirou a camiseta. Que cheiro bom. Era de Ricardinho? Era de Bianca? Por que não podia ser de Alberto?

Tirou sua camiseta velha e de velho. E com ela enxugou suas lágrimas, enxugou seu suor. Vestiu a camiseta de Ricardinho. Se olhou no espelho. Ficou bem. Ficava bem com aquela camiseta, com aquele cheiro. Aquele cheiro haveria de ser dele. Murchou a barriga, endireitou sua coluna. Colocou a mão dentro do bolso da camiseta. Achou um papel amassado. Bianca: Rua Rio de Janeiro, 455.

Pegou o carro. Não respondeu Neide dizendo aonde ia.

Neide se preocupou. Será que voltaria tarde? Será que daria tempo de ligar para o Lucas, amigo do Ricardinho? Era melhor não arriscar. Amanhã Alberto iria pro trabalho. Era melhor não arriscar. Mas Neide estava se sentindo tão sexy com a calcinha da Laís...

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