terça-feira, 13 de julho de 2010

A Merda da Vida

Há um tempo atrás eu pisei na merda. Não era uma merda comum como a de cachorro, cavalo ou de pombo, era a merda da vida. A merda da vida é muito mais suja e muito mais fedida do que as merdas comuns, mas é mais comum do que se imagina. A merda da vida se encontra nas ruas, nas casas, nos amigos, na família, no trabalho e em muitos lugares. São tantos lugares que é impossível dizer ao certo onde foi que eu pisei. Mas com certeza eu pisei e foi uma pisada muito bem pisada. Hoje eu sinto sua textura, seus dejetos, seus vermes, suas sobras e o seu insuportável fedor agarrado em meu pé. E confesso, isso já não me causa tanto nojo.

A merda da vida também tem suas utilidades para quem sabe usar e acabou se tornou um excelente instrumento de observação social para mim. Vivo observando as pessoas que me observam. As pessoas que não me observavam antes de eu ter pisado na merda. Olhar para o cara que pisou na merda parece ser engraçado. Parece dar as pessoas um conforto egoísta de saber que existem pessoas realmente mais atoladas que elas.


Existem pessoas sensíveis ao odor da merda da vida. Aquelas que de longe percebem o andar típico de quem pisou na merda. Seja pelo simples fato de já terem pisado ou pela enorme repugnância a quem já tenha pisado. Existem, ainda que em pequena quantidade, aquelas que procuram te ajudar: "Cara, acho que você pisou na merda. Gostaria de ajuda?". E eu sempre aceito ajudas, ainda que pouco possam melhorar a minha situação. Mas a maioria apenas ri, desvia o trajeto ou simplesmente fingem que nada aconteceu. E pensam: "Ainda bem que nunca piso em merdas".


Eu pisei na merda da vida, eu sei. Mas não saio por aí dizendo a todos que eu pisei. A merda da vida é como uma bola de neve. Quando você assume a sua merda da vida, a tendência é ela crescer mais e mais, até ela te dominar por completo. Hoje em dia saio por aí, com meus pés atolados na merda da vida e as pessoas me observam. Mas também as observo, implantando a cruel dúvida que persegue os mais inseguros: "Que terrível cheiro de merda! Será que foi mesmo esse cara que pisou, ou será que foi eu?". A partir disso, existem pessoas que não olham para a própria sola do pé devido ao medo de confirmar suas terríveis expectativas. Tem outros que lançam um olhar rápido e disfarçado, suficiente apenas para não percebem uma pequena parte de merda agarrada no pé. Alguns apenas escrevem.

Um dia eu espero me lavar e me livrar de toda essa merda. Mas nunca pretendo esquecer por onde foi que andei e por quais merdas eu pisei. Enquanto isso sigo agradecendo todos os dias, ainda que com certa ironia, pela a merda da vida que tenho.

5 comentários:

  1. Merda da vida! Consigo criar em minha cabeça um encadeado de idéias mal formuladas de possíveis merdas. Uma delas achar a vida uma merda. Mas isto não vem ao caso.

    Essas merdas, pra mim, não passam dessa materialidade bruta, deste mal-estar social no qual estamos inseridos.
    A vida uma grande merda, que como a merda propriamente dita, aquela biológica, é feita por um sistema consciente do que digeriu e de quais foram as suas 'paixões' ao digerir.
    PS: é importante todos nós observarmos que muitas vezes pisamos na merda propositalmente.

    Mas [em fim] a grande merda já está feita!

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  2. EXPLÊNDIDO texto, igor. IAUSHISUH fico até admirada com tanta... err.. cultura, tanta formalidade pra se escrever! E olha que no começo eu senti bastante nojo desses vermes, moscas e por aí vai!
    Parabéns, igorzito! (L)

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  3. Que isso, Igor. Você é tão otimista...haha
    Muito bom.

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